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05/08/2012 - 15h37

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05/08/2012 - 15h37

Procissão dos Sanfoneiros canta saudades a Luiz Gonzaga

O som inconfundível e singular de dezenas de sanfonas tocando em harmonia avisava: é chegada à hora da Procissão dos Sanfoneiros.

 Terra Querida

 

O som inconfundível e singular de dezenas de sanfonas tocando em harmonia avisava: é chegada a hora da Procissão dos Sanfoneiros. Na tarde de quinta-feira (2), sanfoneiros, músicos e demais apaixonados por Luiz Gonzaga homenagearam, pelas ruas centro de Teresina, a memória do Rei do Baião, responsável por expandir a cultura nordestina em todo o Brasil.

A Procissão dos Sanfoneiros, organizado pela 1ª Colônia Gonzagueana do Brasil, ocorre sempre na mesma data em que morreu Gonzagão há 23 anos. A atividade, que está em sua quarta edição, preencheu com músicas e saudades a tarde e o coração de quem acompanhou o percurso da Procissão, que iniciou na Praça Saraiva e terminou na Praça da Bandeira.

“É uma forma de manter viva e promover a cultura nordestina. Cantamos as saudades do nosso mestre Luiz Gonzaga”, explica Wilson Seraine, presidente da Colônia Gonzagueana.

De garotos a senhores de idade, não há restrição quando o assunto é o amor pela sanfona. Isac Prado ou, como ficou conhecido, Isac do Acordeon, de apenas 9 anos, empunhava uma sanfona proporcional a seu tamanho. O pequeno músico aprendeu sozinho, aos 6 anos de idade, a tocar o instrumento. Já o senhor Cristalino de Souza, 70 anos, há mais de 40 usa os versos de Luiz Gonzaga para tirar belas melodias na sua sanfona.

“Todo sanfoneiro é um devoto de Gonzaga. Não existe sensação mais reconfortante que terminar a Procissão. É um sentimento de dever cumprido”, afirma Cristalino. Ele compôs uma música para o Rei do Baião intitulada ‘A saudade dói, Luiz’, tocada durante o cortejo.

Luiz Gonzaga é o rei, mas foram as músicas e alegria que coroaram a tarde de homenagens. Para quem não esteve na Procissão ou deseja relembrá-la, o universo do evento pode ser compreendido pelo texto e fotos de Regis Falcão. Após a leitura, recomendamos a sanfona e a voz do Rei do Baião.

Sanfonas em procissão
Texto: Regis Falcão

Uma praça semi-deserta. Um pequeno grupo de homens ocupa um banco sob os olhos estáticos de Conselheiro Saraiva. Timidamente, um ou outro acorde expira das poucas sanfonas ali. Um garoto de 9 anos, chapéu de couro, sapatos de criança. Nas costas, armado feito uma mochila, um pequeno acordeon vermelho com uma placa prateada estampando seu nome: Isac. O garoto arrisca trechos de músicas. Um mais animado com a roupa enfeitada de apitos, cabaças, espelhos, orações de santos populares, baladeiras... toda sorte de penduricalhos cobrindo seu blazer branco, realçado por sua calça quadriculada multicor, cantarola e senta ao seu lado. Logo um tocador de pífano, um triângulo, outros dois sanfoneiros se aproximam. Nasce um baião improvisado.

Mais alguns minutos e outros dois sanfoneiros surgem. Mais dois, mais três, mais cinco. Em pouco tempo, um pequeno batalhão se forma. É quando já se sente aquele cheiro de sertão, de terreiro do interior em fim de tarde, o vento quente, com sabor de Nordeste. No meio da animada trupe de chapéu de couro, a cantoria que todo nordestino conhece ensina o ABC: “o jota é ji, o ele é lê, o esse é si, mas o erre tem nome de rê”. Impossível ouvir a batucada e não se contagiar. Se por um lado os músicos se sacodem embalados na cantoria, um transeunte, observador ou mesmo um fotógrafo que desliza entre os sanfoneiros batem o pé no ritmo animado. É inevitável.

As sanfonas criam pernas e depois da bênção de Nossa Senhora das Dores saem em procissão pela rua, marchando. Um exército indisciplinado, que espalha a provocação no seu ritmo torto. O trânsito para, vendedores se amontoam nas portas das lojas, pedestres tímidos se escondem atrás de um sorriso, espremendo por dentro uma animação infantil. Os mais ousados se jogam entre os sanfoneiros e arriscam passos de “arrasta-pé”. O poder de Gonzagão é irresistível. Enraizado no DNA de todo aquele que nasce no calor do Nordeste, brota no corpo e na alma como a emoção do encontro com um velho amigo. O Rei do baião, hoje sanfoneiro invisível, é como um Embaixador das Terras Secas, Imperador da Caatinga. Circulando de gibão entre seu batalhão, só é visto com o canto do olho, sumindo escorregadio quando se vira o olhar. Parece estar em todo lado e em nenhum. Desliza no coro de 50 sanfonas que sibilam seus hinos, sua música singular. A cerimônia de invocação fez sua mágica e o Rei não perde a folia: dança, toca e canta pelas sanfonas e gargantas alheias.

É como um levante, uma insurreição poética da terra dos bodes e jumentos. Couro e palha, todos dançam, todos cantam. A revolução às vezes vem disfarçada de cortejo, de brincadeira. Gerações se misturam, dos 9 aos 90. Os atiçadores da “baderna sanfonada” não têm idades. Todos são Gonzaga. Todos são Sertão. Rodopiando e cantando levam pelas ruas da mais quente das filhas do Nordeste, todos os problemas que se amontoam nas cabeças de uma quinta feira. A massa misturada de cores e sabores se transforma em militantes de uma só nação: United States of Piauí.

Terra Querida

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