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Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
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cantidiosfilho@gmail.com

03/12/2023 - 18h32

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cantidiosfilho@gmail.com

03/12/2023 - 18h32

Andar com Fé

 

Professor Cineas Santos

 Professor Cineas Santos

Ontem, no finalzinho da tarde, a exemplo do que faço todos os dias, vesti um velho calção meio roto, calcei as havaianas do século passado, e fui regar as plantas, atividade que me faz muito bem. Enquanto fazia meu trabalho/terapia, esperava a visita de um operário que viria conferir um serviço realizado ao longo do dia. Todo na mais absoluta paz.

De repente, julguei ter ouvido alguém bater ao portão. Fui conferir. Mal abri uma fresta, o Binga, meu vira-lata mais enxerido, passou sob minhas pernas e, como um raio, correu para o meio da rua. Por muito pouco, não foi atropelado. Soltei o portão fui tentar capturá-lo. Uma lufada de vento e plic: fechou-se o portão às minhas costas! 

Num átimo, lá estava eu: sem a chave do portão,  sem camisa, sem celular, sem ter a quem recorrer. Dona Áurea, acompanhado por meu filho, estava internada num dos hospitais da cidade. Minha primeira reação foi sentar-me na calçada e chorar “até ficar com dó de mim”, como naquela canção desesperada do Chico. Em boa hora, lembrei-me de uma amiga que, depois de um tombo numa rua deserta, ensaiou um choro, mas se conteve ao perceber que não havia ninguém por perto. Segundo ela, “chorar sem plateias é um despropósito”.

Sem saber o que fazer, desandei a rir como um idiota. Lembrei-me da famosa crônica “O homem nu”, de Fernando Sabino. Seguramente, vocês conhecem e texto que narra as peripécias de um cidadão que sai do banheiro nu para apanhar o pacote de pães e a porta se fecha...

Agora, visualizem o quadro: um velho de aspecto deplorável, seminu, tendo como companhia um vira-lata bandoleiro, sentado na calçada da própria casa sem ter a quem recorrer.

De repente, olhei uma trepadeira na porta da casa que se sustenta numa estrutura de fios de arame, arame bem fino. Com alguma dificuldade, quebrei um pedacinho do arame e, sem maiores ilusões, fui cutucar a fechadura do portão. Tentei, tentei sem resultado. Foi aí que me lembrei daquela passagem de Mateus em que Cristo critica a pouca fé dos apóstolos e termina afirmando que, se a fé dos discípulos tivesse o tamanho de um grão de mostarda, poderia mover montanhas...

Desalentado, engendrei uma prece patética: Senhor, sei que estais por demais ocupado com terremotos, enchentes, queimadas e, principalmente, com uma guerra que envolve o teu “povo escolhido”.  Não quero mover montanhas nem participar de nenhuma guerra. Quero apenas abrir esse caralho de portão. O Senhor poderia ajudar-me? Acreditem: meti o fiapo de arame novamente na frincha, e o portão clic!: abriu-se suavemente. Lembrei-me de outra passagem bíblica na qual Cristo fala da necessidade de saber pedir. Mas, como não sou versado em temas bíblicos, entrei em casa cantando Gilberto Gil: “Andá com fé eu vou/ que a fé não costuma faiá”. Assim foi. Assim 

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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais. 

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