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Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
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Ana Regina Rêgo

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

05/05/2023 - 10h11

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

05/05/2023 - 10h11

POR QUE É PRECISO REGULAR AS PLATAFORMAS DIGITAIS?

 

 

E PORQUE FALAR EM REGULAÇÃO HOJE, NÃO EXCLUI PENSAR E FALAR SOBRE O PROJETO DE LEI 2630/20 - Desenho minimalista de um contexto complicado.

 

No dia 02 de maio de 2023, vivenciamos um dia de luta, muita desinformação e tensionalidades entre os campos opostos no debate político e dentre os participantes do campo progressivo, inclusive. Tudo, tendo como motivador a votação do Projeto de Lei 2630/2020 cuja urgência foi aprovada semana passada e que é de autoria do parlamentar Alessandro Vieira, atualmente Cidadania-SE.

No final do dia, o relator do Projeto, Deputado Orlando Silva ( PCdoB-SP) pediu ao Presidente da Câmara, Deputado Arthur Lira ( PP-AL) que o Projeto fosse retirado da pauta da votação naquele momento. Os motivos são muitos, os mais fortes podem ser elencados em 4 pontos principais que detalharemos mais adiante neste artigo.  Entretanto, muitos alegaram que a urgência prejudicou a formatação final do texto, que vem sendo alvo de debate com a sociedade civil organizada desde 2020 e que recebeu nos últimos dias, contribuições do Governo.

Mas que tal pensarmos sobre os motivos da urgência. Dois principais movimentos de violência foram formatados no Brasil no ambiente digital já em 2023 e levaram aos atos terroristas de 8 de janeiro, orquestrados e estrategicamente articulados a partir das redes sociais digitais e aplicativos de mensageria que possibilitaram a insurgência de grupos terroristas, e, em casos como o do Telegram ( suspenso no Brasil por alguns dias semana passada), a criação, existência e crescimento de grandes grupos neonazistas, que por sua vez, estão sendo investigados e podem ter influído nos ataques às escolas brasileiras nos meses de março e abril, através das sementes de discursos de ódio, racismo e xenofobia. Por fim, é válido destacar que um desafio lançado por usuários do TikTok desde 2020 (e continua no ar) vem causando a morte de adolescentes e, mais recentemente, provocou a morte de um garoto de 13 anos. Jacob Stevens engoliu 14 comprimidos de um antialérgico e veio a óbito. Por último, redes menores como o Discord, terra onde adolescentes e gamers se encontram diariamente, nem sempre de forma sadia, como bem mostrou a reveladora reportagem do Fantástico no último domingo, também estão sendo usadas para manipular crianças e jovens e ativar o ódio, além de ser um espaço livre de regulação, onde desafios perigosos são lançados aos usuários ( vale ponderar que a rede ainda não entra no escopo regulatório proposto por não possuir 10 milhões de usuários no Brasil no momento).

Em segundo lugar, vale pensar que com o regime de urgência nem todos os anseios da sociedade civil foram atendidos, anseios e críticas aos quais já nos referimos nesta coluna de forma exaustiva e que pontuamos em 4 principais perspectivas: necessidade de aperfeiçoar o Dever de Cuidado, necessidade de criação de um Órgão Regulador, melhorias em pontos sensíveis como remuneração do jornalismo e questões como a controversa sobre a imunidade parlamentar. Agora é preciso ter um pé no real incontornável, como bem convoca Ricoeur para o campo histórico, de que os anseios e as sugestões em cimas das críticas, não foram atendidos em grande medida, porque o relator do PL precisa conformar as opiniões díspares dos congressistas, principalmente diante do lobby, ou para usar um eufemismo do presente, do advocacy pesado das big Techs, aliás também promotoras de desinformação no processo de divulgação social do PL.                 Advocacy este que vem de encontro aos anseios das bancadas da bíblia (minúscula mesmo, já que não é a Bíblia, pois os interesses são outros. Ressalva-se aqui que existem  muitos parlamentares da Bíblia com grande atuação no Congresso), do boi e da bala, bancadas que são recheadas de parlamentares desinformadores, ou seja, que foram eleitos através da desinformação acumulada, sem contar a bancada dos influencers, falas de si mesmo, que surfam na onda das estratégias de marketing propiciadas pelos modelos de negócios excludente das plataformas. Destaca-se novamente que não estamos generalizando, visto que muitos não possuem tal prática. Vale lembrar ainda que no desgoverno anterior, havia inclusive um gabinete do ódio que tudo orquestrava.

Sim, o Projeto de Lei precisa ser aprimorado em muitos aspectos, mas no cômputo geral tende a ser um mecanismo legal de coibição não só de combate à desinformação, mas de desarticulação de projetos de violência estrategicamente pensada contra a população que acredita nas narrativas que recebe e isso, inclui crianças e adolescentes, manipulados em seus próprios quartos de onde acessam o mundo digital.

E sim, o PL 2630 objetiva trazer agilidade para a responsabilização de quem produz desinformação, discurso de ódio e atua como desagregador social, ao tempo, em que requer das plataformas ação direta contra conteúdos violentos ( nocivos e  ilegais) e desinformativos (nocivos, mas nem sempre ilegais) que NÃO DEVEM ser impulsionados, nem recomendados e muito menos monetizados. NÃO É POSSÍVEL que a desinformação continue dando lucro para quem produz e para as próprias plataformas.

E por que as Plataformas se posicionam contra o PL 2630/20 que nesta contextualidade e temporalidade se coloca como sinônimo de regulação no Brasil neste momento? (aqui usamos redundância intencional sobre o presente ação)

Se você pensou lucratividade imediata com o “produto” não intencional criado por outros e sobre os quais, elas não possuem responsabilidade no momento, é preciso dizer que acertou parcialmente. O fato de uma desinformação possuir potência 70% maior (segundo estudo do MIT de 2018) para viralizar do que uma informação, acarreta outras formas de lucratividade, qual seja, a manutenção da atenção intermitente dos usuários que não conseguem se desligar do mundo virtual, convocados por afetos, neste caso, negativos, sobre os quais atuam o medo, a dúvida e angústia e agilizam a forja do sentimento de pertença entre grupos diferentes e cujas existências, muitas vezes, não são empáticas. O ativamento de afetos negativos leva a violência simbólica e não raras vezes, à violência física, como temos visto no Brasil nos últimos meses. Há que se ponderar também que dentre a convocação dos afetos, os afetos positivos que despertam identificação e afetividade, também são usados.

Contudo, as estratégias de ação para o despertar da atenção dos usuários são inúmeras e o que se normalizou chamar de modelo de negócios das plataformas, extrapola tal concepção e se lança em direção a modelos cada vez mais específicos de manutenção do humano e sua experiência temporal disponível para as plataformas que lucram tanto com nossos dados, autorizados a todo momento a serem extraídos e vendidos em milhares e milhares de aplicativos e sites, para além da nova fronteira virtual onde as plataformas reinam. O lucro principal, vale destacar é obtido conosco, que por um lado trabalhamos na produção intermitente de conteúdo vendido diuturnamente e por outro, compomos o próprio capital das big Techs. Já falamos exaustivamente sobre esse tema nesta coluna.

Durante o dia de ontem, ouvimos inúmeros comentaristas, jornalistas e juristas falarem do caso do Google e se referiram ao Google como motor de busca e, portanto, como tendo uma grande vantagem mercadológica.  Sim, a Alphabet/Google possui uma grande vantagem mercadológica, mas o motor de busca é tão somente um dos seus negócios, a fachada principal, que atrai todos os demais produtos intangíveis do Google Workspace e tangíveis nos inúmeros negócios que mantém no mercado nada virtual. A Alphabet/ Google disputa a nova hegemonia da geopolítica mundial na camada cloud com pouquíssimas nações que possuem tanto poder como tal corporação. Precisamos, portanto, extrapolar o pensamento e tratar a Alphabet/Google como o que ela realmente é, e a Meta ( Facebook, Instagram e WhatsApp) como o que já foi denominado por pesquisadores, como um abutre de dados, além do que já sabemos sobre as posturas  nada civilizadas do Twitter na atual gestão Elon Musk, e do TikTok e os malefícios permitidos para crianças, jovens e mulheres, dentre outras plataformas que devem ser consideradas em seus ambientes que podem ser também lugares prejudiciais à vida em sociedade.

Há muito mais em jogo do que a crença de muitos em manter seus preciosismos, embora eu não possa julgar, já que também não renuncio a muita coisa, mas é preciso dar o primeiro passo, como fez a União Europeia com o DSI- DIGITAL SERVICE ACT. Na verdade, no Brasil, o primeiro passo foi dado com o Marco Civil da Internet na década passada, agora precisamos aprovar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e assim aprovar os caminhos legais para uma internet mais segura e um ambiente digital mais saudável, sem ódio e sem desentendimentos.

Que as mais de 70 propostas de emendas ao PL 2630 apresentadas nos últimos dias, não sejam somente desvio de rota, mas possam trazer contribuições verdadeiras para o avanço e construção de um documento que realmente tenha o bem estar da sociedade civil como fim, e não o lucro das plataformas e muito menos os interesses dos inúmeros parlamentares que trabalham com desinformação, discurso de ódio e muita mentira.

Aos que julgam poder falar em regulação no Brasil no momento, aliás desde 2020, passando pela CPMI das fake News e CPI da COVID,  sem se referir ao PL 2630, propomos pensar um pouco, primeiro em um nível minimalista: - falar de regulação na União Europeia sem falar em DSI, falar de regulação na Austrália sem falar no Código de Negociação da Mídia, falar de regulação na Alemanha sem falar da  Lei das Redes Sociais (NetzDG) é com certeza um grande contrassenso, quando não, talvez desconhecimento ou ingenuidade.

Por outro lado, falar em regulação de plataformas no Brasil e não falar no PL 2630  que ao longo de 3 anos possui mais de 70 apensados, outros tantos requerimentos e nos últimos dias, várias emendas para serem analisadas, simplesmente para tentar se esquivar dos pontos discordantes que o Projeto apresenta, é fugir novamente do incontornável, tendo em vista as necessárias negociações com um legislativo federal complexo, potencialmente um dos mais conservadores da história do nosso pais.

A luta continua, as plataformas não desistirão, os empreendedores da mentira tampouco, só nos resta enfrentar o problema de frente e ter a certeza de que a concordância, continuará a ser discordante (plagiando Ricoeur) e que continuaremos no ambiente da crítica, mas também no ambiente da construção por uma vida digital mais saudável. Embora eu esteja pensando em fugir para Pasárgada.

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