O diálogo do senador Romero Jucá com o ex-senador Sérgio Machado, gravado no ano passado, antes do impeachment e com a participação de Sarney e Renan Calheiros, era um prenúncio do que acontecerá com a nomeação de Alexandre Moraes para o STF.
Machado: "É um acordo. Botar o Michel num grande acordo nacional."
Jucá: "Com o Supremo, com tudo."
Machado: "Com tudo. Aí parava tudo."
Jucá: "É. Delimitava onde está. Pronto."
Ontem, o procurador-geral da República ofereceu denúncia ao STF contra os personagens dessa gravação por tentativa de obstrução da Lava-jato. O mesmo STF que terá um ministro filiado ao PSDB, com passagem pelo PMDB, e que será o revisor da Lava-jato no plenário. Um ministro que é amigo íntimo desses personagens e deve sua nomeação para o Supremo a um deles, Temer, e deverá sua aprovação a dois deles, Jucá e Renan.
Ou seja, Moraes é, no mínimo, inadequado para a função. Imaginem o tamanho da indignação caso Dilma indicasse seu ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, para o cargo! E que diriam os comentaristas esportivos se o presidente da federação russa de atletismo fosse indicado para o comitê anti-doping do COI?
Então por que não há indignação com o indicado de Temer? Moraes no STF personifica a velha metáfora da raposa no galinheiro. É como se o goleiro Bruno assumisse a delegacia de proteção à mulher. Ou ter Suzane Von Richthofen homenageada no dia dos pais.
Ainda me surpreendo com os argumentos a favor de seu nome. Dizem que ele só exercerá a função de revisor da lava-jato caso um presidente de poder seja denunciado. Mas se esquecem de dizer que, só na primeira delação da Odebrecht, há três presidentes citados: Temer (43 vezes), Rodrigo Maia e Eunício de Oliveira, respectivamente MT, Botafogo e Índio, conforme descrito nas planilhas da corrupção.
Além disso, há outras "inadequações" que estão sendo ignoradas. Permitam-me enumerá-las:
Moraes é apoiado pela bancada da bala, um grupo de parlamentares financiado pela indústria armamentista. No ano passado, disse que o país deveria investir menos em pesquisas e mais em armamento.
Moraes é contra a descriminalização da maconha, uma estratégia para enfrentar o poder do tráfico e a violência que é utilizada com sucesso em diversos outros países.
Moraes foi responsável por uma gestão truculenta e repressiva quando foi secretário de segurança pública em São Paulo, sempre colocando a força acima da lei, como no caso das remoções em áreas populares.
Moraes já mostrou que gosta de vazamentos seletivos. Em outubro, durante um comício em Ribeirão Preto, deu declarações que sugeriam a prisão iminente de Antonio Palocci, o que aconteceu dias depois.
Moraes foi advogado de Eduardo Cunha, que, apesar, de ter perdido o foro especial, poderá ser julgado no STF caso o processo envolva um político com mandato, o que é bem provável.
Moraes escreveu em sua tese de doutorado que o indivíduo que exerce cargo de confiança no governo não pode ser indicado para o STF.
Em última instância, portanto, é o próprio Moraes que se considera inadequado para assumir uma cadeira no STF. Eu apenas concordo com ele.
--------
Felipe Pena - Jornalista, psicólogo e professor da UFF. Doutor em literatura pela PUC-Rio, com pós-doutorado pela Sorbonne III, foi visiting scholar da NYU e é autor de 15 livros, entre eles o ensaio "No jornalismo não há fibrose", finalista do prêmio Jabuti.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião desta página, se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.