Destaquei ontem o presente de Temer aos concessionários de rádio e televisão, embrulhado em mais uma discriminação à comunicação pública: a anistia de todas as outorgas do setor privado que estavam irregulares, deixando fora as mais de mil rádios comunitários que também estão com as autorizações vencidas e podem ser fechadas. Mas o exame da MP 747 de Temer revela o quanto sua política de radiodifusão é servil aos donos da mídia e hostil ao campo público.
No início de maio, o então ministro das Comunicações, André Figueiredo, propôs à ex-presidente Dilma Rousseff uma medida provisória destinada a resolver a situação das emissoras privadas e públicas (comunitárias e educativas também são públicas) que não haviam renovado suas outorgas no prazo previsto em lei. Era uma anistia, mas de mão dupla e acompanhada de algumas exigências, as tais contrapartidas.
Além de reabrir o prazo para a regularização da situação de todos, o governo passado exigiria o pagamento das parcelas vencidas da outorga. Em linguagem mais vulgar, da compra da concessão, que é concedida mediante o melhor lance para o edital de uma frequência. A grande maioria dos concessionários privados pagou a primeira parcela, no ato da licitação, mas nunca recolheu a segunda, que deve ser feita quando a emissora entra no ar. Seria também cobrada uma multa dos que perderam o prazo (são milhares, mais de metade das cinco mil e tantas rádios do país, por exemplo). E ainda seria corrigida uma irregularidade, que é o controle de um número de canais maior que o permitido em lei. Por exemplo, uma mesma empresa não pode ter mais do que três emissoras de rádio locais na mesma cidade. Mas muitas têm. Haveria uma ampliação deste número para que todos se ajustassem.
Dilma, entretanto, como recorda o ex-ministro André Figueiredo e sua equipe, não teve tempo de assinar a MP, que buscava colocar alguma ordem no caótico estado das concessões de canais de rádio e televisão no Brasil. Há uma montanha de processos que se arrastam no ministério há anos sem que os problemas sejam resolvidos. Se a lei fosse aplicada com rigor, boa parte das concessões seriam cassadas. Mas o que fez o atual governo? Baixou a MP 747, que não cobrou multa, não tratou de receber a segunda parcela das outorgas nem de regularizar o excedente de canais controlados por uma mesma pessoa jurídica. Ou seja tratou apenas de presentear o setor privado com a anistia ampla mas não geral, porque deixou de fora as emissoras educativas e comunitárias. Para um governo que se diz tão empenhado no ajuste fiscal, dispensar a multa e a cobrança da segunda parcela é de uma incoerência que só a servilidade explica.
E quanto à política de fortalecimento dos canais públicos, aplicada pelos governos Dilma e Lula, esqueçamos. Logo ao assumir a secretária de radiodifusão, Vanda Nogueira, indicada pela Abert, cancelou todos os editais para a abertura de novas rádios educativas e comunitárias que já estavam preparados. Já existem rádios comunitárias demais no país, alegou ela.
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Tereza Cruvinel é jornalista política e colunista site 247, nessa quarta-feira, 05/10/16.
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