Reproduzimos abaixo reportagem do jornal O Globo, publicada na edição deste domingo (23).
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Raro exemplo de liderança jovem do PT, o governador do Piauí, Rafael Fonteles, de 39 anos, prega que o partido se dedique mais à defesa do governo Lula. Matemático de formação, ele avaliza a agenda do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a bandeira da responsabilidade fiscal.
Novo presidente do Consórcio Nordeste, Fonteles atribui a queda de popularidade de Lula em seu principal reduto à inflação dos alimentos. Para a reforma ministerial e a eleição de 2026, traça como prioridade a composição com o centro, inclusive a centro-direita.
A que atribui a perda de aprovação de Lula no Nordeste?
No Piauí o presidente Lula continua com 65% de aprovação, apesar de já ter ficado acima dos 70%. Atribuo a queda principalmente à inflação dos alimentos. É o fator mais relevante, combinado com a comunicação das entregas.
Como reverter o cenário dos preços?
O que vai resolver isso é o aumento da produção, tanto da agricultura familiar como do agronegócio. Há uma expectativa muito melhor para este ano. O arrefecimento do dólar também é fundamental.
Arrefecimento do dólar passa, entre outras coisas, por sinais de responsabilidade fiscal. Falta isso?
Claro. Defendo que a equipe econômica seja cada vez mais fortalecida. Uma meta importante é obter grau de investimento, com o qual se passa a ter acesso a crédito mais longo e barato, o país entra no radar de vários investidores e fundos internacionais. Dou apoio total ao ministro Haddad.
O PT tem dificuldade de entender isso, não?
O PT é um partido muito grande, tem correntes que pensam diferente. Mas eu estou nessa direção de defender a política econômica do ministro Haddad.
Como a crise do Pix repercutiu no Nordeste?
Foi forte, mas hoje pesa muito menos que a inflação dos alimentos. Apesar do susto na população de que poderia haver a taxação do Pix, isso não se configurou. Mas a comunicação sem dúvida podia ter sido feita de forma mais preventiva, explicando que não haveria taxação. Hoje em dia, o timing da comunicação do governo é muito importante.
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Lula não tem sequer celular. Está preparado para entender os novos tempos?
Óbvio que, com o fato de não estar conectado nas redes, a percepção do tempo fica mais dificultada. Mas o governo tem toda uma equipe para isso. É um exercício mais do que diário, é de hora em hora. Como o país está polarizado, há uma guerra de comunicação.
Falta uma marca ao Lula 3?
A marca está clara no slogan “União e reconstrução”. Lula se elegeu falando em reconstruir o Brasil, retomar programas. Isso ele está cumprindo. Mas é claro que as pessoas querem mais. Pode, sim, ser apontado um caminho mais claro da visão de futuro do Lula 3, jogando inclusive para o Lula 4.
Quem o senhor apoiará na eleição interna do PT?
O que defendo é que cada vez mais o PT tem que defender o governo de maneira mais forte. Temos uma batalha difícil. Vai ser uma eleição novamente polarizada em 2026.
Parece uma ideia diferente do que vimos em alguns momentos recentes, com a presidente Gleisi Hoffmann incentivando embates com a Fazenda.
Teve um momento (de conflitos), mas atualmente há uma defesa. Só que acho que tem que ser ainda mais aprofundada. O partido tem que defender o governo, mesmo que um ou outro militante não concorde com uma ou outra política. Se der espaço para ampliar as críticas, estaria fragilizando o projeto de reeleição.
O que se diz é que Lula apoia Edinho Silva.
Se Lula estiver apoiando, já tem meu voto.
Qual deve ser a prioridade na reforma ministerial?
O mais importante é buscar uma governabilidade maior no Congresso. O que puder ser feito para melhorar essa relação e termos uma base mais sólida, uma ideia mais clara de quem está mesmo com o governo, é fundamental.
Quem será, na sua visão, o adversário de Lula em 2026?
Alguém da extrema direita. O ex-presidente (Jair Bolsonaro) ou alguém ligado a ele.
Não será um dos governadores que estão sendo cogitados?
Acho que não. Acredito que haverá um candidato da extrema direita. Independentemente do que aconteça na Justiça com Bolsonaro, ele será um protagonista da eleição. De novo, portanto, a frente ampla vai ser importante, fazer um caminho para o centro procurando conversar até com a centro-direita. Para continuarmos representando a maioria da população, temos que nos aproximar do centro e da centro-direita.
E se Lula desistir de concorrer?
Nem cogito outra hipótese. Ele está firme, com saúde. Mas é natural (que ele cogite não concorrer). Quem gosta de antecipar eleição é a oposição. Quem está no governo quer governar, porque sabe que a eleição depende das entregas.
O partido pecou na renovação de quadros? Não há clareza sobre quem seria o plano B a Lula.
Para 2030, vai ter. Ninguém vai ficar apostando em outro nome quando temos o melhor. Neste momento o foco total é a reeleição de Lula, e depois ele terá tempo de apresentar ao Brasil novas lideranças. Vários ministros já são naturalmente figuras nacionais. Pode ser o ministro Fernando Haddad, por exemplo.
Segurança pública aparece cada vez mais como preocupação. Falta esforço federal?
É uma responsabilidade maior dos governos estaduais, porque comandamos as polícias. O governo federal, a meu ver, não tem a responsabilidade principal, mas pode contribuir — e contribui. Por isso defendo a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública e do Fundo Nacional de Segurança Pública para termos mais recursos e acontecer algo parecido com o que aconteceu na Educação.
Os evangélicos são um jogo perdido para o PT ou tem como reverter o prejuízo?
No Piauí, temos excelente relação com a comunidade evangélica. Sou católico e de uma família muito ligada à religião. Nossos valores são muito próximos ao da comunidade evangélica. Esse ponto da defesa da família, dos ensinamentos de Cristo, inclusive aproximando fé e política, não vejo nenhum problema.
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