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Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
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cantidosfilho@gmail.com

27/06/2024 - 08h20

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27/06/2024 - 08h20

Por que enterrar mortos em igrejas?

 

Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, em União-PI

 Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, em União-PI

Não sou historiador. O historiador usa métodos científicos em suas pesquisas. Sou professor. Gosto de transformar o que é científico, principalmente as verdades históricas, para oferecer aos meus alunos a compreensão dos fatos e das ideias do passado e do presente.

Não tenho interesse nenhum em desenterrar cadáveres, mas as informações sobre eles são extremamente importantes, não para mim em particular, mas para a organização da memória histórica da cidade, neste caso me refiro à cidade de União-PI.

Esses acontecimentos relacionados à descoberta de túmulos antigos dentro da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, em União, suscitam novas pesquisas e novos caminhos para a elucidação de dúvidas ou de incertezas a respeito da história do município, principalmente das suas origens como povoação antiga do Piauí. Há muitos estudiosos que se dedicam a isso, e a Igreja, como instituição milenar e muito organizada, que acompanhou todo o processo de povoamento das Vilas e Cidades brasileiras, é a principal guardiã de documentos e vestígios históricos. Portanto não pode escondê-los. A Casa Paroquial de União, por exemplo, guarda um livro de registro de batizados e, creio, de casamentos que remonta aos primeiros anos de existência do município (1853, 1854...). São registros de pessoas não escravizadas e escravizadas. Não vi o documento, mas obtive a confirmação, através da secretária da Casa. Por que não colocar esse documento à disposição de estudiosos e das pessoas interessadas em compreender a história da cidade?

Em relação ao enterramento de mortos nos arredores e dentro da Igreja Matriz o que se tem a dizer? A história, que, na sequência apresentada por Harari no livro  UMA BREVE HISTÓRIA DA HUMANIDADE SAPIENS, é a quarta ciência, a do desenvolvimento das culturas humanas, depois da Física, a origem de tudo, da Química, a interação de átomos e moléculas, e da Biologia, a história dos organismos. A história esclarece os fatos. Especificamente, no caso em questão, A Igreja, que espalhou a história do Cristianismo pelo mundo “desconhecido”, tem as respostas para muitas questões. Algumas delas são ocultadas, por serem totalmente, nos dias atuais, inconcebíveis. Quais explicações a Igreja teria que dar hoje aos cristãos ou não-cristãos sobre o costume de se enterrarem os mortos dentro ou fora, mas em local próximo ao altar, das Igrejas? Por que silenciar sobre isso? Essa prática é antiga e remonta às primeiras comunidades cristãs. Mas ainda hoje existe em algumas Igreja, no Brasil, e em outras partes do mundo. Eu mesmo testemunhei um desses enterros, na década de 1980, no interior da Igreja de São José, na cidade de Altos/PI: o enterro do Pe. Luiz de Castro Brasileiro, que foi vigário, em União, na época em que se comemorou o centenário da Paróquia. Qual a fundamentação ou o argumento para que isso ocorresse e continue ocorrendo? 
A Igreja marca as pessoas do nascimento até a morte, com rituais imutáveis para cada etapa de nossa vida. A morte é o mais duro fim, pois é o desligamento do mundo e das pessoas. Os cristãos acreditavam – e ainda acreditam – que quanto mais próximo dos lugares sagrados as pessoas mortas fossem enterradas, mais próximas de Deus estariam. E, assim, com a proximidade do Juízo Final, as pessoas ficariam mais perto da salvação. A partir dessa ideia, criou-se uma hierarquia para os mortos que seriam enterrados dentro das Igrejas. O Altar-Mor seria o lugar destinado aos sacerdotes (padres, cônegos, monsenhores, bispos, arcebispos, cardeais etc) e ao redor do altar as pessoas que tinham boa posição social na cidade. Já podemos confirmar essa ideia com a descoberta dos túmulos na Igreja de Nossa Senhora dos Remédios. O do Padre Simpliciano está no altar e o dos irmãos Lobão está à frente do altar, mas em posição inferior. É provável que os mais pobres da época estejam enterrados no ádrio da igreja. É importante salientar que, nessa época e anteriores, os suicidas, os criminosos, ladrões e escravos não poderiam ser enterrados nem no interior das igrejas nem nas proximidades. E ainda havia a cobrança de taxas de enterro que serviam para ajudar nas despesas paroquiais.

Esse costume começou a ser questionado, ainda no século XVIII, por estudos científicos feitos por médicos e sanitaristas da Europa. Em 1801, o Rei D. João VI, através de Carta Régia, determinava a construção de cemitérios extra-muros, tomando como base os estudos que apontavam os perigos advindos do enterramento de mortos dentro das igrejas, dentre os quais os miasmas, gases exalados pela decomposição dos cadáveres. Só que essa determinação não teve força política para ser implementada. Nem mesmo o Decreto Imperial de 1828, que criava a Lei Orgânica dos Municípios e que delegava poderes de construir e administrar, com o Clero, os cemitérios, resolveu o problema. A exemplo de outros municípios, a Vila da União continuava a enterrar os seus mortos dentro da Igreja Matriz, como se pode observar pelo enterramento do Padre Simpliciano, em 1886.

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Lourival Lopes Silva é unionense, professor - nas redes sociais. 
 

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