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Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
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cantidiosfilho@gmail.com

13/06/2024 - 08h52

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13/06/2024 - 08h52

Grande Sertão nas Veredas do Cinema

 

O filme mostra um trabalho de ator primoroso, Caio Blat, que já viveu Riobaldo no teatro.

 O filme mostra um trabalho de ator primoroso, Caio Blat, que já viveu Riobaldo no teatro.

Assisti ao filme “Grande Sertão”, do diretor Guel Arraes. Estava curioso. Pelo que se anunciava esperava ser mais um produto do chamado “Favela Movie”, tão em voga hoje em nossa cinematografia. Porém, não é isso, ainda que contenha elementos que o classificariam neste gênero, como a violência, as disputas à bala, a ambientação, o sangue explodindo à la Tarantino, o filme traz algo a mais, afinal, foi transcriado da obra máxima de Guimarães Rosa, e não se pode ser redutor diante de uma das maiores narrativas literárias do cânon brasileiro.

De saída, o título, omitindo o vocábulo “veredas”, já aponta para o deslocamento espacial da narrativa, “o sertão é o mundo todo”, não se tem ali retratado o sertão dos jagunços e vaqueiros, mas um ambiente urbano, contemporâneo e distópico. Estrategicamente a direção de arte não aponta explicitamente para uma comunidade brasileira de periferia das grandes cidades, Grande Sertão, como é chamada a comunidade onde se desenrola toda a trama, não tem marcação territorial, resulta mais num espaço atópico, próprio das narrativas apocalípticas e futuristas, com aquele tom cinza das edificações. Os figurinos e as interpretações marcadas, tanto da polícia quanto os do grupo de Joca Ramiro seguem padrões estilizados que não indicam quase nada de brasilidade, estando mais próximos das ficções Mad Max.

A movimentação narrativa do filme é intensa, tudo é muito célere, os diálogos correm com ênfase na interjeição, os cortes são abruptos, o uso explosivo de closes e hipercloses tragam nosso olhar vertiginosamente, as sequências são aceleradas, as lutas coreografadas em balé de corpos perfurados jorrando sangue arrebatam na tela, ainda que plasticamente aliviados, ou intensificados na percepção, pelo uso do slow motion. A montagem garante a velocidade da trama, os sentidos são aguçados, as emoções todas são sempre à flor da pele, o narrador Riobaldo é enfático e crispado em sua oralização contando-nos a história, tudo em função de manter a tensão constante, encenando a sempre ríspida e contingente luta entre o bem e o mal.
 
Guel Arraes e Jorge Furtado conseguiram alinhar um roteiro convincente, souberam extrair pontos cruciais do enredamento narrativo da obra transposta.  Em “Grande Sertão: veredas” Guimarães Rosa nos oferece experiências de complexidades profundas, seja na energia linguística com alta invenção, seja na temática do amor, construída nas intermitências do impulso erótico de Riobaldo pelo amigo Diadorim, seja na confluência do mal, que está em todo lugar e é representado por Hermógenes  e o pacto fáustico, seja ainda na construção do espaço, o sertão como o mundo todo, tanto o aqui localizado, vivenciado, como o acolá, mitificado, transcendente e universal, tanto o que está dentro da gente e o que flameja espiritualmente.

O filme mostra um trabalho de ator primoroso, Caio Blat, que já viveu Riobaldo no teatro, prova que terá sempre lugar. Luiza Arraes como Diadorim conseguiu a esquiva necessária para manter o dúbio masculino/feminino criado por Guimaraes Rosa. Hermógenes será sempre um desafio pra qualquer ator, como se figurar como demônio? Eduardo Sterblitch saiu-se  bem, com aquele assustador olhar de self. A valentia necessária em paradoxo com o justo ficou resolvida  na perfomance rigorosa de Rodrigo Lombardi no papel de Joca Ramiro.

As cenas trazem marcação teatral, essa confluência é sempre difícil de ser alcançada. A direção de Arraes soube equilibrar. 

O cinema brasileiro de qualidade é incontornável em suas realizações, os problemas que advêm são de outras ordens para além da capacidade criativa. Por exemplo, a equação público e distribuição. Só para ilustrar, fui assistir ao filme na sessão das 19 h no Cinema Teresina. Ao comprar o bilhete, a atendente me mostrou a tela do computador para que eu escolhesse meu assento, vi que só havia um lugar ocupado, marquei aleatoriamente um deles e fui pra sala. Lá só tínhamos mesmo eu e uma garota ao fundo com sua pipoca, numa sala de 165 lugares. É uma realidade ultrajante, mas não nos deixemos abater, assistam a filmes brasileiros, e em especial este “Grande Sertão”, do Guel Arraes, pois, no redemoinho da cultura, o sertão é o mundo. Nonada.

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Feliciano Bezerra, professor doutor da UESPI - nas redes sociais. 

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