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Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
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14/04/2024 - 19h30

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A Liga do Elio

 

Fizemos uma récita eloquente usando seus poemas.

 Fizemos uma récita eloquente usando seus poemas.

Nas exéquias ao meu querido amigo/irmão Elio Ferreira, alguns poetas e amantes da palavra fizemos uma récita eloquente usando seus poemas. Consultamos a família se poderíamos fazê-lo, considerando este momento sempre mais solene e espiritual, o que prontamente nos foi respondido que era isso mesmo que Elio queria; Francira, sua amada de sempre, já esperava e até mesmo incentivou, Irapuá, seu filho querido, me disse: “façam o que quiserem, ele vai gostar”. Assim, o saudamos com o signo poético envolto de emoção, eu, Marleide Lins, Thiago Eh, Quilito Trindade, João Batista Sousa de Carvalho, Jonas Moraes, Gomes Brasil, Silvino Filho Do Carmo, Raimunda Celestina Mendes da Silva, Tania Lima (poeta e professora residente em Natal, que logo ao saber, tomou um avião e veio despedir-se de nosso amigo). Isso no velório, já no cemitério, nova performance poética. também imprimimos vários poemas de Elio em folhas avulsas (ideia da Tânia) e distribuímos aos presentes para que fossem lançados à fenda tumular. puxei um ponto de capoeira, “Boa Viagem”, e com palmas marcadas entoamos improvisos de saudação.
 
Foi uma forma de comentarmos uma das presenças de Elio neste mundo, que ao desenvolver sua expressão poética sempre a aliava ao canto, à oralização e ao corpo em movimento. Uma de suas várias forças. Elio topava qualquer parada, era como se intuísse missões neste planeta, e as cumpria, seja na literatura enquanto signo verbal sensível, ou no literário sob o rigor acadêmico/pedagógico e ensaístico, pensando, refletindo agudamente sobre o segmento negro da poesia nas Américas, seja no empenho em ordenar intervenções nos espaços de cultura, institucionais ou não. Conciliava no mesmo ser a dimensão disciplinar do fazer e a fúria da contestação, da grita diante dos grandes e dos micropoderes.
   
Elio Ferreira é (manterei o presente do indicativo) meu amigo há três décadas. Juntos vivenciamos muito do que é possível ser e fazer no espaço vivencial. Envolvimentos de afetos, viagens turísticas ou acadêmicas nacionais ou internacionais, pautas de interesses comuns nos campos culturais e universitários, e mesmo políticos. A criação estupenda, por exemplo, do evento bienal África Brasil (encontro internacional de literaturas, histórias e culturas afro-brasileiras e africanas), que irá para sua oitava edição. E tantas outras cumplicidades. Ele me convocava e eu atendia, e vice-versa, prontamente. Fez questão de que eu participasse de sua banca de doutoramento, como arguidor, em outubro de 2006, com sua tese “Poesia negra das Américas: Solano Trindade e Langston Hughes”, pela Universidade Federal de Pernambuco, pesquisa aguda que já virou livro e é referência para os estudos neste campo. Quando estava organizando uma segunda edição para seu livro “América Negra e outros poemas afro-brasileiros”, pediu-me ajuda na escolha e ordenação dos textos (constatei depois que era só para adesão, pois não interferi em quase nada), e para minha surpresa, ligou-me certa vez e disse: “Feliciano, o Paulo Moura já fez a capa, está tudo diagramado e pronto pra gráfica, estou esperando seu prefácio...”, só que ele não tinha combinado que eu o faria. Bom, larguei o telefone e fui cuidar do prefácio... sempre foi assim, nada o segurava quando tinha que fazer, uma teimosia que só realizadores têm.

Muitos demoraram a entender o que ele pretendia com seus poemas e performances, porém, sempre houve ali uma ordenação do discurso, de intenção, de sentido e de trajetória. Canto sem viola (1982), Poemartelos (o ciclo do ferro) (1986), O contra-lei (o ciclo do fogo) (1994), O contra-lei e outros poemas (1997), América Negra (2004), América negra & outros poemas afro-brasileiros (2015) são percursos poéticos dotados de clareza temática, estética e de voz formadora. Não à toa preocupou-se com a difusão e mesmo formação de novos poetas, basta-nos lembrar o projeto “Roda de poesia e Tambores”, que marcou a cena poética piauiense.
 
A imagem dele com um livro na mão era icônica, não importando se na sala de aula, em algum debate, na rua, em visitas, lá estava o livro, como uma espécie de talismã do saber e da possibilidade de criar, ainda que reivindicasse, fervorosamente, os saberes orais, ancestrais, dos sonhos e da imaginação ela mesma. Tudo lhe servia para o manifesto vital do acordo ou desacordo com o mundo, procurando sempre o possível ajuste para um melhor mundo. Porém, agora, neste mundo, um elo em mim enleia-se, com a ausência do Elio...

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Feliciano Bezerra é professor doutor da Uespi - nas redes sociais.


 

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