Eu teria uns dez anos de idade e vivia numa aldeia aonde não chegavam nem as notícias ruins. Uma manhã, apareceu na quitandinha de dona Purcina um cidadão distinto. Chamava-se Barbosa, era negro, cheirava bem (English Lavender) e sabia ler, algo raro naquele mundinho de iletrados. Trazia consigo uma preciosidade, um exemplar da revista O Cruzeiro, que chegava até a Ilha do Bananal. Ao perceber meu interesse pela revista, deixou-me folheá-la. De repente, entre mulheres bonitas e notícias ruins, duas páginas luminosas com A Turma do Pererê. Para mim, Ziraldo acabava de nascer. E nascia num espaço privilegiado onde pontificavam Péricles Maranhão, Millôr Fernandes, Carlos Estevão, Appe e outras feras.

Muito tempo depois, já em Teresina, passei a acompanhar a trajetória do Ziraldo, o desenhista que estreou aos 6 anos de idade num jornal de Minas. Com seu traço de uma beleza indescritível, Ziraldo se multiplicava em muitos, do famoso Pasquim à revista Bundas. Depois vieram os livros, de Flicts ao Menino Maluquinho, que o consagrou.

Ziraldo esteve no Piauí algumas vezes, a última delas em 2014 como autor homenageado na 2ª edição da Feira Literária de Oeiras (Flor). A molecada foi ao delírio. Todos ficamos felizes. Em 2017, o homenageado fui eu. Vez que outro, um moleque mais aceso me perguntava: “Você é irmão do Ziraldo?”. Eu desconversava e seguia em frente.

Este ano, voltei a Oeiras para o lançamento do livro de um amigo. Na hora do almoço, uma senhora aproximou-se de mim e disparou: “O senhor é seu Ziraldo, não?”. Antes que eu tivesse tempo de responder, Laila Cadah adiantou-se: “Não, senhora. Este aqui é Cineas Santos, que foi professor do famoso Ziraldo”. Laila impediu-me de gozar aqueles 15 minutos de fama de que falava o Andy Warhol. 

No último sábado (06/04), aos 91 anos de idade, Ziraldo Alves Pinto encantou-se para eternizar-se. Viverá sempre em nossa alegria.

*****
Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.