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Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
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Cultura

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cantidiosfilho@gmail.com

30/03/2024 - 09h11

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30/03/2024 - 09h11

Pães, Lembranças e Alegria

 

 

Certa feita, sem aviso prévio, recebi um presente insólito: quatro pães italianos que percorreram 540 Km antes de chegarem à minha mesa. O que havia de tão especial nos pães? Além de trigo, água, sal e fermento, havia um pitada de carinho, produto que não se vende em supermercado. Os pães foram trazidos de São Raimundo Nonato pela Eulália Dias, uma ex-aluna muito querida.
 
Como se sabe, durante uns dez anos, morei em São Raimundo onde cursei o ensino fundamental. As lembranças que guardo da cidade não são das mais agradáveis. De todas, a mais dolorosa era a inexistência de água potável. Bebia-se água dos barreiros  "Duvige”, “Juju” e  das cacimbas sovinas... Água salobra e, quase sempre, contaminada. Ásperos tempos.
 
Mas nem tudo eram agruras: havia o carinho de dona Purcina, a presença do Paredão, o futebol, os banhos no açude, o pão do Jovino...
 
Jovino – me lembro bem – era alto, magro, desempenado, agradável. Aprendeu a fazer pães em São Paulo e, ao retornar à sua aldeia, tornou-se um exímio padeiro. A procura era tamanha que, para ter acesso aos pães, carecia encomendar com antecedência. Para os do meu estrato social, o sonho de consumo era um pão do Jovino com guaraná “champanhe” (assim era rotulado o Guaraná Antarctica). Um luxo que não saía por menos de dois cruzeiros. Tratava-se de produto raro e caro. 

Voltemos aos pães que me trouxe a amiga. Ao contrário do Proust que precisou provar os biscoitos madelaines para destravar as lembranças, mal avistei os pães do Jovino, fui invadido por uma torrente de lembranças...A Rodinha do Bitoso onde, aos sábados, se realizava a feira, o Bar do Cecé, onde se jogava  bilhar e conversa fora, os bolos-fritos da Santa Preta, as “bestas gordas” do Raimundo Pança, a toada triste do Mané Ró-Ró...
 
Fiz um café forte e comecei a comer os pães bem devagar... Como naquela crônica antológica do Drummond, eu saboreava duas vezes: os pães e a sensação de raridade dos pães. Às vezes, ser feliz pode custar bem pouco...

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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais. 

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