Dia desses, voltei a São Raimundo Nonato e confirmei o já sabido: a cidade, a cada dia, mais se distancia de mim. Os amigos mortos, a paisagem corrompida, as lembranças esparsas... Mas há algo de sólido que permanece lá: o prédio do velho Ginásio Dom Inocêncio onde estudei. O educandário já não existe.
Parei para fotografar o prédio, imponente para os padrões da cidade. De repente, uma boa lembrança, uma bela lembrança...
Como o ginásio fica bem próximo da casa de d. Purcina, terminei de almoçar, vesti o uniforme escolar e fiquei na "galeria" lendo um fragmento de "Juca Mulato", poema de Menotti Del Picchia. O local era aprazível, fresco, silencioso. O poema, ecos de um mundo que se perdia...
De repente, apareceram três moças, uma delas minha colega de turma. Era loura, afogueada, acesa. Estava sempre rindo ou chorando. Trajavam o uniforme da escola: saia de tropical azul-marinho, blusa branca, sapatos pretos. Não sei se por provocação ou por acaso, a loura fez um rodopio, como um passo de dança flamenca. O certo é que uma corrente de ar fez o restante: a saia volante subiu-lhe à cabeça. Num átimo, a poucos passos de mim, uma linda calcinha cor-de-rosa estampou-se na moldura apropriada da pele muito branca. Como diria Bandeira, um alumbramento. Era a primeira vez que eu via algo do gênero na vida. Decididamente, posso testificar: a primeira ninguém esquece...
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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