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Terça-feira, 14 de janeiro de 2025
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cantidiosfilho@gmail.com

20/11/2023 - 07h48

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20/11/2023 - 07h48

Uma Noite de Versos e Chuva

 

José Elias Arêa Leão sentia o que declamava

 José Elias Arêa Leão sentia o que declamava

Meus amigos, hoje amanheci com saudades de José Elias Arêa Leão (Zé Elias), que faleceu no dia 13 de setembro de 2022, aos 83 anos. Vivia para a cultura e era considerado um dos seus grandes incentivadores. 

Em meados da década de 1970, aconteceu um episódio que ainda hoje me fascina. Ao final de uma tarde qualquer, fiz uma visita a ele na Fundação Cultural do Piauí. Combinamos tomar uma cerveja em um dos bares da Rua Paissandu. O tempo estava fechado, nuvens carregadas, bonito para chover. Fomos a pé. Começamos a beber. Algumas mesas estavam ocupadas com casais, rodas de amigos e homens solitários. Anoiteceu. Uma chuva despencou sobre a cidade. Faltou luz. 

A proprietária do estabelecimento distribuiu velas sobre as mesas, criando um ambiente aconchegante, onde as pessoas, em silêncio, sentiam os respingos vindos do telhado e observavam as águas correrem para o rio Parnaíba. Sombras dançavam nas paredes, obedecendo ao movimento sinuoso dos fogos das velas. A atmosfera de cumplicidade entre os presentes contribuía para eternizar um momento tão especial, quando todos aproveitavam para aliviar suas tensões, cochichar palavras carinhosas aos ouvidos dos amantes ou contar suas aventuras movidas pelas águas de março – um momento sublime. 

De repente, Zé Elias começou a declamar. Sim, ele também era um grande declamador. Primeiro, os poemas “A Moenda” e “Saudade”, de Da Costa e Silva; depois, “Vou-me embora pra Pasárgada”, de Manuel Bandeira; e a noite avançou. Em silêncio, todos pareciam ter combinado respeitar e apreciar a voz solta de Zé Elias, que se espalhava pela penumbra do bar. 

Os versos contagiavam cada gole sorvido, cada garrafa que se esvaziava, cada mesa ocupada. Não eram apenas versos livres na noite: havia uma encenação. Zé Elias sentia o que declamava, a essência de cada frase, suas histórias de dor ou de júbilo, gesticulando, quando oportuno. 

A luz voltou. Pedimos a conta. Para nossa surpresa, um anônimo já a havia pago, como um agradecimento àquele momento sublime que Zé Elias nos proporcionou. 

Assim viveu esse grande amigo, que soube receber simplicidade da cultura que o absorvia.

*****
Eneas Barros, escritor piauiense - nas redes sociais. 
 

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