Na década de 1970 – de 71 a 74 -, estudei o curso ginasial no Ginásio Filinto Rego, que era a escola de referência da cidade (de União-PI). O Ginásio era a cara da cidade, lugar de pobres, ricos, brancos, pretos, mestiços. Eu ainda não completara 13 anos, quando vesti aquela camisa com uma estrela sobre os ombros, que representava a 1ª série. Era o sonho de todo garoto entrar no Ginásio. À proporção que íamos passando de série, as estrelas iam aumentando e todos nós nos sentíamos importantes. Todo mundo queria alcançar as quatro estrelas, como se fosse uma espécie de generalato dos quartéis do exército.
Vivíamos em plena Ditadura, sob a Lei dura que era o Ato Institucional nº 5 (AI-5), sob o governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Era também o auge da Jovem Guarda, na música, que embalava os corações dos jovens adolescentes. Não havia rádio na cidade.
A diversão dos ginasianos era à noite ficarem sentados nos degraus da Igreja e ouvir as músicas da Amplificadora da Isaura, cuja locutora oficial era a Lourdes que, com sua voz característica, lia as mensagens que os garotos ofereciam às garotas: “Raimundo Sampaio oferece esta música (dizia o nome da música e o cantor) à jovem Salete com muito amor e carinho”. Às vezes, os mais gaiatos usavam o nome de outros colegas invocados como provocação ou como forma de anunciar alguma paixão platônica. No dia seguinte, no Ginásio, era o maior comentário, nos grupinhos de garotos e garotas. Normalmente eram os garotos de três e quatro estrelas, atiçados pela libido.
Na época, eram poucos os rapazes que não eram conhecidos pelo apelido. E muitos deles, pelo resto da vida. Pelo menos, entre os amigos. Há muitos apelidos que se perpetuaram. Um desses exemplos era de um jovem magro, amolecado, que levava para a escola apenas um lápis e um caderno da FENAME enrolado no bolso de trás da calça de cáqui. Ficou conhecido como Calhau, até hoje as pessoas aqui da cidade o tratam assim. Poucas sabem o seu verdadeiro nome: Cícero Antônio. Fiz essa volta toda para contar um caso que aconteceu em sala de aula, envolvendo o Calhau. Até quando ele falava sério, todo mundo achava que era molecagem.
Havia uma professora de história que fazia a chamada pelo nome completo da pessoa. Ao ser chamado o aluno ou a aluna levantava a mão e dizia presente. Se respondesse qualquer outra palavra, ela mandava a pessoa sair. Um dia a turma combinou de todo mundo responder: pronto! Na sequência que ela ia chamando e os alunos respondiam: pronto!, colocava-os para fora. Quando chegou a vez do Calhau, ela leu na caderneta: Cícero Antônio do Rego. – Estou aqui, professora!, ele respondeu. Imediatamente, a professora disse: “Pode sair, seu moleque!”. Ele completava a cena com um riso debochado.
O Calhau, apesar das brincadeiras da juventude, tornou-se um grande profissional, trabalhando na CEPISA por muitos anos até a aposentadoria. É um pai exemplar, zeloso e dedicado intensamente à família. Foi, também, um grande futebolista da cidade. Mas continua brincalhão do mesmo jeito. E o apelido o acompanha até hoje: Calhau. É assim que todos na cidade o conhecem.
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Lourival Lopes Silva é professor do IFPI - nas redes sociais.
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