Como afirmei em outro momento, o lugar era um convite a não ficar. Passagem para lugar nenhum, só ia a Campo Formoso quem tinha algum negócio com seu Liberato. Como não havia escola, livros, professores, igreja, sem o saber, dávamos sentido prático aos versos de Cecília Meireles : "A vida só é possível reinventada".
A irmã mais velha cuidava disso. Arteira por natureza, Dezinha inventava coisas para suprir aquele dilúvio de carências. Além de reinações inimagináveis, fabricava coisas. Assim, com resina de angico preto e flor de bonina, fazia esmalte para as unhas; as fitas para o cabelo eram produzidas com fibras de junco; brincos e pulseiras eram feitos com a couraça cintilante de um besouro que chamávamos de “dourado”.
Difícil era capturar o inseto, mas como tínhamos imaginação e tempo de sobra, pegávamos alguns. Da carcaça do infeliz tudo se aproveitava: nasciam anéis, pulseiras, pingentes, brincos. O mais virava repasto de formigas...
Ontem, encontrei, na internet, a bela foto de um “dourado”, flagrado por Anissa Martel. Imediatamente, um mundo de lembranças me remeteu aos idos da meninice no longínquo sertão do Caracol. Filosofei bestamente: a memória é o que resta quando tudo mais já se converteu a nada. Assim seja.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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