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Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
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Mauro Sampaio

Mauro Sampaio

mauroadrianosampaio@gmail.com

25/07/2023 - 20h16

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Mauro Sampaio

mauroadrianosampaio@gmail.com

25/07/2023 - 20h16

A ignorância, orgulhosa, não quer deixar a cena

 

 

É atribuída ao velho caudilho Leonel o seguinte vaticínio: “se os evangélicos entrarem para política o Brasil irá para o fundo do poço, o país retrocederá vergonhosamente e matarão em nome de Deus”. O que o hoje pastor-aviador, missionário evangélico Andrew Tonkin, em sua sanha evangelizadora em território indígena proibido, explicita a encrenca: “Nós respeitamos os governos até o ponto em que eles falam contra a palavra de Deus. (…) A palavra de Deus [está] acima de tudo”.

Pois os evangélicos entraram para a política e aceitaram o encantamento do bordão fascista de 1933, herdado de paraquedistas deslumbrados, tentando fazer um reino dos céus na terra: “Brasil acima de tudo, Deus acima de Todos”. Só que, na ausência de metáfora, esse Deus literal, fascista e vingador, saltando do velho testamento para a política, protege o seu povo que segue as suas regras, impõe o pensamento único e prega a intolerância para quem é diferente, não protege as minorias – expressa missão da democracia. Uma coisa é o convencimento pastoral para ganhar súditos, outra coisa é a imposição de credo.

O movimento conservador, que ajudou a empurrar os evangélicos para a política, se impôs nesse terço do século XXI em todo o planeta e arrasta um reacionarismo, onde lideranças de extrema-direita se aproveitam da onda para o domínio político, quando a memória do fascismo vivido há quase um século se esvai negando sua existência para ressuscitá-lo com os mesmos bordões, os mesmos símbolos, as mesmas palavras de ordem, a defesa agressiva em nome de Deus, Pátria e Família.

Se o movimento religioso é atraído pela junção da Pátria e Família com Deus, os preconceitos e a intolerância atraem a homofobia, o racismo, a misoginia submersos e envergonhados para manifestação orgulhosa da idiotia nacional. E quando percebemos a transformação orgulhosa e odienta de pessoas do nosso convívio, já é tarde para deter a enxurrada da ignorância arrogante e espalhafatosa que, sem acesso ao argumento, se transforma numa tropa de choque paramilitar em defesa do fascismo. E aí já perdemos terreno para um inimigo que não possui atividade parlamentar. Só a força bruta.

Ainda bem que a besta humana, que supostamente nos governou por quatro eternos anos, perdeu a última eleição para uma frente democrática, o que nos alegra e nos faz esperar que nem tudo está perdido. Mas se olharmos a composição do parlamento, nunca tivemos um Congresso tão medíocre, despreparado para a política, com uma ignorância inimaginável, sem qualquer preparo para a vida pública. O governo anterior sobreviveu ali.

Ali e na maioria dos eleitores que elegeram essa excrescência como representantes da ignorância nacional que votou pela força do dinheiro de grupos minoritários de quem são os legítimos representantes.

E esses eleitos pela força da grana de uma elite, que prefere a ignorância desde que defenda seus interesses, representam a legítima e orgulhosa ignorância que saiu do armário nos quatro anos de protofascismo e que se recusa a voltar ao limbo em que vivia. E já deixaram marcas na sociedade: diminuíram os trabalhos científicos assustadoramente e os negacionistas das vacinas ameaçam seriamente o nosso Plano Nacional de Imunização.

Desde que liberta, a burrice nacional acha-se no direito de ter opinião se contrapondo ao saber do conhecimento, cometendo improváveis movimentos sem qualquer autocrítica, apesar do ridículo apresentado em público. Não foi por outra razão que parlamentares bolsonaristas pretenderam ir à Comissão de Direitos Humanos da ONU denunciar que terroristas depredadores do 8 de janeiro foram feitos de prisioneiros políticos.

Simplesmente eraram de prédio, de cidade, de país e de continente. Foram a sede da ONU em Nova Iorque, quando a Comissão de Direitos Humanos funciona em Bruxelas. E apesar de só serem recebidos pelo porteiro do prédio da ONU nos EEUU, que explicou pacientemente o erro geográfico de parlamentares imbecis, defenderam o indefensável com emendas piores que o soneto: a denúncia pode ser feita on line. Então porque foram?

O impressionante é que tais parlamentares apoiaram os golpistas arruaceiros, alguns com financiamento em dinheiro, e deveriam perder o mandato julgados por simples comissão de ética. Mas o baixo clero agora é maioria num parlamento ridículo. O que faz Artur do Val como Senador da República? Elegeu-se um Chupetinha, um Andre Raspaânus ou um gira Girão! Uma deputada espantada como um coelhinho que o professor José Geraldo, ex-reitor da UNB, demonstrou que ela não tinha capacidade cognitiva de entender o que se estava discutindo. Uma Damares entre tantos delirantes que veem Jesus com um cipó de goiabeira como o Deus vingador e caricato do Velho Testamento.

Só que a bancada BBB (referência aos que defendem o BOI dos ruralistas, a BALA dos armamentistas e da BÍBLIA dos evangélicos) está unida no reacionarismo, no conservadorismo, mas também no ódio que representa boa parte da população que odeia o conhecimento, e na ignorância, que leva ao parlamento os preconceitos de uma sociedade racista, homofóbica e misógina com todo  o orgulho que lhes retirou do anonimato e do gueto em ficou relegada há bastante tempo. E que agora se recusa a sair de cena.

O inominável além de perder a eleição teve seus direitos políticos cassados por oito anos, mas seu nome deu origem a um movimento que se recusa a sair de cena e que vai dar muito trabalho à democracia. E tem seguidores fieis, justamente a ignorância nacional que não quer sair do palco. Brizola estava certo quanto aos evangélicos. Pois se não forem proibidos de atentado contra o estado laico, ameaçam a República com um Estado fundamentalista; já auxiliados pelos ruralistas grileiros de terras de pequenos produtores e dos povos originários; e pelos milicianos, força paramilitar de submissão comunitária saídos das fileiras das forças policias e armadas.

O Estado Fundamentalista tem o apoio dos milicianos nas periferias urbanas e dos ruralistas na evangelização do interior. É preciso que a República acorde para essa ameaça que defende o bolsonarismo (e o golpe) abertamente. Precisam ser colocados na ilegalidade pelos democratas. A democracia não pode tolerar os intolerantes com ela.

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Edmar Oliveira - Psiquiatra, blogueiro, aprendiz de escritor, leitor contumaz, comunista utópico, socialista desejante. Reproduzido do Edmaroliveirablog 

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