Vez que outra, ainda me lembro da casa velha onde nasci no sertão do Caracol. Quando isso ocorre, vêm-me à mente os versos de Bandeira: “Vão demolir esta casa/ mas meu quarto vai ficar”. Não saberia explicar o porquê da lembrança, uma vez que nunca tive um quarto para chamar de meu. Eu dormia numa saleta estreita, uma espécie de corredor, que ligava a sala à cozinha. Como não havia janelas, o local era penumbroso. Parafraseando Adélia Prado, uma sala sempre anoitecendo.
A casa era rústica, simples, sem pintura em nenhum dos compartimentos. Para os padrões do lugar, uma casa grande, até confortável. Seu Liberato a construiu em 1946. Dona Purcina, que acreditava no poder transformador das palavras, rebatizou a gleba com o nome de Campo Formoso. Era preciso muita imaginação para transformar aquela chapada árida, infestada de alho-bravo cupinzeiros num “campo formoso”. Passagem para lugar nenhum, o lugar era um convite a não ficar. O que importa: nasci ali e passei parte da infância naquele fim de mundo. Gosto de acreditar que éramos felizes. As aspirações eram rasas: qualquer pingo de chuva era um dilúvio de alegrias...
O tempo e os contratempos reduziram tudo a uma capoeira infestada de carrapichos. Da casa velha nem uma fotografia restou. Com a cumplicidade de dona Dezinha, reconstituí a casa de memória e incumbi o Genivaldo Costa de pintar-lhe a fachada. Seu Liberato diria: “Está conforme”.
Para mim, hoje, Campo Formoso não passa de uma metáfora boiando na memória. Mas quando caem as primeiras chuvas, ainda sinto o gôsto de terra molhada adoçando-me a vida...
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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