Há mais de 10 anos, escrevi um texto que foi incorporado em um livro organizado por José Ernanne Pinheiro e Antonio Aparecido Alves. O título do livro era “Os Cristãos leigos no MUNDO DA POLÍTICA”, publicado pela editora Vozes. No nosso texto escrevemos algumas reflexões que considero muito atual. Veja a seguir.
“Sempre encarei a política partidária como diaconia e missão. Ou, com outra palavras, o serviço ao povo de Deus como missão na atuação política. Daí a importância de caminharem sempre juntas, integradas, a fé e a política. E de serem fortalecidas na caminhada, passo a passo, com a formação permanente nas duas dimensões. Cuidado e atenção no cotidiano com as duas.
Mesmo no início, quando tive de escolher um partido para atuar, os critérios foram evangélicos, inspirados e influenciados pelas reflexões e leituras de autores da Teologia da Libertação, bem como das atitudes de seus mártires e líderes.” (…)
“Ao longo destes quase trinta anos de militância partidária, uma coisa devo testemunhar: nunca deixei de ler e meditar novos e velhos textos de teólogos da libertação e assemelhados, bem como a própria Bíblia e seus comentários, em diversas traduções. Nos últimos anos, um destaque especial para J. Comblin. Isto sempre feito como busca permanente de um maior discernimento nas ações, gestos e decisões da política. E sempre como hábito diário. Independente de viagens e lugares, sempre procurei meditar a Palavra do Senhor, inclusive nas caminhadas, nas idas ao banheiro e nos intervalos das reuniões, bem como antes de deitar e depois de acordar.” (…)
“Gosto também de Gandhi. Das reflexões, das atitudes e do modo como ele enfrentava grandes desafios. Desde adolescente travei encontro com sua autobiografia “Minha vida e minhas experiências com a verdade”. E isto marcou muito minha atitude na Política: não separar os fundamentos da minha fé da prática política. Esta convicção que tinha Gandhi é minha convicção também. Para mim, Gandhi foi um grande discípulo de Cristo, um verdadeiro santo cristão. Pois “ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida pelos irmãos” (Jo 15, 13). E ele deu a vida pelos irmãos.
O Jesus, Homem Pleno, que viveu neste mundo e deu o melhor exemplo, foi, desde que tomei consciência, meu mestre, meu ídolo, meu líder e meu Senhor. Nunca percebi em mim um outro personagem deste mundo que ocupasse este título, mesmo que temporariamente, na minha adolescência ou juventude. Admiração por muitos, tive e tenho, mas jamais senti qualquer dúvida sobre esta constatação, que só percebi conscientemente quando já adulto.”
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“Mas só pela fé, com a disponibilidade progressiva do coração, a graça do Espírito Santo reforma e aperfeiçoa a realidade humana, nas dimensões pessoal e comunitária, e a projeta a um nível mais elevado de liberdade e fraternidade, rumo à plenitude humana, abrangendo o âmbito da política, com todos os seus desafios, perigos e tentações desérticas.
Por isso afirmo: só, e somente só, com a fé viva e ativa em Jesus Cristo, é possível a política ser a caridade maior como pensou Paulo VI. Porque não há fé verdadeira em Cristo se Ele não for o único Mestre e Senhor. E em sendo assim, os pobres e necessitados serão os preferidos dos políticos que têm fé nele. Basta lembrar o texto do capítulo 25 de Mateus: eu tive fome e me destes de comer…”
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“Não vejo futuro bom sem o fortalecimento fraternal das famílias e das comunidades. Política pública que não leva isso em consideração está fadada ao fracasso.
Mais diálogo e democracia fraterna na convivência do casal, e desse com os filhos menores e maiores, são necessários. Se a família, que é uma estrutura criada antes de qualquer outra organização social maior, for mal sucedida na vivência e testemunho dos direitos, o Estado e a sociedade fracassarão. Como sustentar princípios e valores cristãos numa sociedade sem famílias se formando na fé, na esperança e na caridade cristãs?
Também aprendi cedo, que sem mudança progressiva e continuada nas estruturas de poder, na busca da ampliação das liberdades, da democracia e da participação popular, não acontecem transformações progressistas e verdadeiramente evangélicas. E isso vale para o Estado, a família, a sociedade organizada e as igrejas. Não podemos pregar um valor e seguir outro. Não podemos pregar a democracia e os direitos humanos nas estruturas da sociedade e do Estado e fazer o contrário na nossa igreja, no nosso partido ou nos nosso sindicato, ou mesmo na nossa família. É o velho fermento da hipocrisia dos fariseus que Cristo tanto condenava. É preciso, todo dia, tirar a trave dos olhos das organizações em que se atua, para poder ser eficaz na retirada do cisco dos olhos das outras organizações, que se quer reformar ou transformar de maneira mais profunda e radical.” (…)
“Agindo assim, reformas humanas profundas virão, aqui, ali e acolá, ao longo da história e no rumo da vontade do Senhor, libertando o povo de Deus das diversas dominações, numa aproximação crescente do Reino Definitivo de Liberdade e Amor, que é dádiva e dom gratuito dele, mas que Ele mesmo quis que participássemos de seu esboço, aqui na Terra, com nossos esforços, dons, talentos e dedicação, misturados com o fermento da fé, da esperança e do amor: “Nisto se manifesta a glória de meu Pai: em que deis muito fruto e vos comporteis como meus discípulos” (Jo 15, ).“
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José Nazareno Cardeal Fonteles é médico e professor da UFPI - nas redes sociais.
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