O Sr. disse que o governo (Lula) dá demonstrações de viver do passado. Por quê?
Primeiro, imagina que a economia possa crescer só pelo dado da demanda, do consumo. A promoção da economia dessa forma só pode ser feita com gastança ou com crédito. Por outro lado, a promoção da economia pelo lado da oferta exige inovação institucional, uma tarefa mais exigente.
Nosso problema maior não está no lado da demanda, mas no da oferta; não do lado do consumo, mas no da produção. Daí a ênfase anterior no impulso produtivista como uma das características necessárias para se contrapor ao rentismo financeiro.
Aí vem o debate sobre o financismo fiscalistas, que também pauta o governo. Essa discussão está mal posta no Brasil. A tese pseudo-ortodoxa é que nós precisamos de responsabilidade fiscal para ganhar a confiança financeira, que traria o investimento, que, por sua vez traria o crescimento.
Na verdade, nós precisamos, sim, de responsabilidade fiscal para que o Brasil não tenha que se ajoelhar diante dos interesses financeiros. E que possa ousar na construção de um projeto rebelde de desenvolvimento. Então precisamos desse escudo fiscal, de muitas reservas, para ter margem de manobra.
Precisamos de responsabilidade fiscal não pela razão que se imagina, mas pela razão oposta. A afirmação da soberania nacional da rebeldia é mais importante do que o manejo contracíclico da economia. Na história, a rebeldia nem sempre é premiada, mas a obediência, invariavelmente, é castigada.
Estou longe de adotar a China com modelo, mas, entre os países contemporâneos, é o único que violou todos os preconceitos financistas. A obediência diante do altar das finanças só é necessária e conveniente no início do processo. A médio prazo, a única coisa que conta é a realidade.
Apesar de ter violado todos esses preceitos, a China é o lugar com mais dinamismo, mais oportunidades de lucro e é, de longe, o que recebe mais investimentos diretos no mundo hoje. É exemplo que deveríamos seguir.
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Roberto Mangabeira Unger, professor em Harvard e ex-ministro de gestões petistas - techo de entrevista no Jornal Folha de São Paulo, em 17.06.23
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