Era dia do meu aniversário. Acordei cedo e já encontrei a velha varrendo o quintal. Parecia bastante abespinhada. Aproximei-me:
- A bênção, dona Purcina.
A Matriarca olhou-me de um jeito meio enviesado e disparou:
- Deus lhe dê vergonha!
- Sabe que dia é hoje?
- Não sou dona de dia nenhum.
Tentei adoçá-la:
- Esqueceu o dia do aniversário do seu filho mais amado?
- Que filho?!
- Eu.
- E quem te disse que você é meu filho?
Resolvi armar um teatrinho:
- Meu Deus do céu, uma mãe que desconhece o próprio filho...
Sentei-me no batente da porta da cozinha e continuei:
- Agora sou um sem mãe. Quem vai querer me adotar nessa altura da vida?
A estratégia surtiu efeito. Dona Purcina aproximou-se de mim, passou a mão em minha cabeça e afirmou:
- Deixa de bestagem, rapaz. Não sou tua mãe, mas sou tua irmã, o que é muito melhor.
- Melhor para quem?
- Pra você mesmo. Se fosse meu filho, tinha obrigação de cuidar de mim; sendo meu irmão, cuida se quiser.
Virou-me as costas e voltou a varrer.
Sequestrada pelo Mal de Alzheimer, era a primeira vez que a Matriarca não me reconhecia. Tive de fazer um esforço danado para não me desmanchar em lágrimas...
Desde então, tenho sido apenas um sem mãe. Nada além.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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