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Domingo, 29 de dezembro de 2024
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cantidiosfilho@gmail.com

17/04/2023 - 08h21

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cantidiosfilho@gmail.com

17/04/2023 - 08h21

INSÓLITA SAUDADE

 

Saudade de um beijuzinho delicado, muito fino e crocante...

 Saudade de um beijuzinho delicado, muito fino e crocante...

Durante muito tempo, acreditou-se que a palavra saudade fosse uma espécie de idiomatismo da língua portuguesa, ou seja, uma palavra que só existe em nossa língua. Hoje, a tese já não encontra muitos defensores. De uma forma ou de outra, a palavra está sempre muito viva no idioma pátrio. Um crítico mordaz chegou a afirmar que, sem saudade e sem estelas, a lírica luso-brasileira estaria comprometida. O poeta Da Costa e Silva, por exemplo, escreveu: “Saudade! És a ressonância/de uma cantiga sentida, /que, embalando a nossa infância, / nos segue por todo a vida!” Estranho: nele a saudade era um sentimento permanente...

É curioso como sentimos saudades de coisas ou situações banais. Numa croniquinnha lírica, Manuel Bandeira escreveu: “Juanite, em sua última carta escrita em Haia, afirma: mas que saudades de chuchu com molho branco”. O poeta admira-se de a amiga, podendo comer pratos sofisticados, lembrar-se de um prosaico chuchu com molho branco... O cartunista Henfil, dos Estados Unidos, pedia, desesperado, aos amigos que lhe mandassem Pastilhas Valda. Estava morrendo de saudades...

Por amor à verdade, não sou o que se possa chamar de um saudosista. Mas hoje acordei com saudades de “cambraria”. Alguns estranharão a insólita saudade. Cambraia, como se sabe, é um tecido fino, delicado, nobre. A “cambraia” que me acendeu a saudade é apenas um beijuzinho delicado, muito fino e crocante. Nenhum mistério: faz-se o beiju bem fino, deixa-o ficar durinho e, depois, basta pô-lo ao sol por alguns minutos. A luz solar confere-lhe um sabor indescritível... Fiquei feliz ao saber que, em Petrolina (PE), a “cambraia” é patrimônio cultural do município.

Talvez, em mim, a saudade se explique, não só pelo sabor da iguaria, mas por razões de ordem afetiva. Explico: quando eu andava na corda bamba aqui, dona Purcina sempre encontrava um jeito de me mandar um doce de leite, uns “bolos voadores”, umas “cambraias”. Aquelas coisinhas sabiam a cuidado, a carinho, a zelo de mãe...

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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais. 

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