Não seria exagero afirmar que passei a maior parte de minha vida em sala de aula. São 53 anos de estrada... Naturalmente vivenciei muitas experiências, algumas boas; outras, nem tanto.
Eu estava iniciando a minha trajetória: lecionava no curso madureza (supletivo) do Instituto Elias Torres. Entre os alunos, havia uma senhora, bastante jovem, quase bonita, um tantinho arrogante que, invariavelmente, chegava atrasada. A minha aula era a primeira. Quem é professor sabe o que isso significa. Segundo um velho mestre, “quebra a espinhela da aula”.
Uma noite, a aluna chegou bastante atrasada. Não me contive. Em tom de pilhéria, perguntei: perdeu o trem das onze? Enfurecida, a senhora passou-me uma descompostura em regra. Disse tudo o que aprendera na hora do recreio e mais uns adendos.
Como sempre tive uma relação bastante cordial com meus alunos, criou-se um clima pesado na sala. Limitei-me a pedir desculpas e dei curso à aula. Uma aluna chegou a se manifestar em minha defesa, mas pedi-lhe que se calasse.
Durante o restante do curso (já estávamos em outubro), mantive prudente distância da senhora. Finalmente, chegou o dia dos exames. O número de aprovados foi significativo. Resolveram fazer uma comemoração no dia seguinte. Uma daquelas festinhas com bolo de rodoviária, refrigerante choco, teclado de entristecer missa de sétimo dia e tudo mais...
Avesso a comemorações, comportei-me como bode embarcado em canoa: desconfiado e tenso. De repente, entra esfuziante a dita senhora, que também fora aprovada. Afastei-me discretamente. A cidadã aproximou-se de mim, abraçou-me e desandou a chorar. Chorava como criança desmamada... Constrangimento geral. Finalmente, não se conteve: “Professor, me perdoe pelo amor de Deus. O senhor não merecia aquela agressão”. Fez uma pausa e desabafou: “Todos os dias, antes de vir para a aula, eu pegava uma surra do meu marido. Ele não queria que eu estudasse. Hoje, criei coragem e mandei-o para o inferno. Vou viver a minha vida!”.
Saí à francesa e prometi a mim mesmo procurar ver o que nem sempre se mostra ao olhar apressado. Assim tem sido.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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