Eu teria uns treze anos de idade, não mais. Devidamente catequizado pelos missionários espanhóis, mantinha prudente distância de manifestações carnavalescas, “portal do inferno”, segundo o meu confessor. As coisas estavam nesse pé quando chegaram os três amigos que estudavam na capital. Um deles deliberou que iríamos ao carnaval das crianças na “Rodinha do Bitoso”, centro da cidade.
Relutei muito, mas acabei convencido. O que não se faz por amigos? Hora de escolher as fantasias: um iria fantasiado de pirata; o outro, de caubói; o mais esperto vestiu-se (na verdade, despiu-se) de índio. Por falta de melhor opção, lambuzei a cara com carvão de panela e caracterizei-me de otário, fantasia que ainda hoje me cai bem...
Uma bandinha capenga tocava marchinhas alegres. A mais pedida era “A Lua é dos namorados”, que dizia: “E todos eles estão errados/ a lua é dos namorados”... Logo na chegada, avistei a fulaninha por quem eu estava perdidamente apaixonado ou “encegueirado”, segundo dona Purcina. Esqueci que o inferno existia e mandei ver. A fulaninha, mais acesa que brasa de angico, borboleteava com enorme desenvoltura...E eu por perto para afugentar os possíveis “gaviões”.
Vai que o amigo mais esperto descolou um tubo de lança-perfume, que eu desconhecia. Deu uma borrifada num lenço e gritou: “Cheira!”. Inalei o trem com muita avidez e, literalmente, desabei. Acordei com alguém jogando água (ou produto menos nobre) no meu rosto... Aturdido, vislumbrei a minha colombina nos braços de um sararazinho que, além de ter um relógio Lanco e uma bicicleta Monark, sabia dançar frevo como um filhote de capeta...
Pierrô desconsolado, saí da folia e fui curtir minha dor de cotovelo num beco sinistro. A partir de então, decidi que me manteria distante do chamado “tríduo momesco". E assim tem sido.
No ano passado, dileto amigo me mandou pelo Facebook uma foto na qual me vejo travestido de boneco gigante no corso de Teresina. Por amor à verdade, o boneco estava melhor que o modelo. Ainda assim, por prudência, preferi assistir de longe. Já não tenho idade para interpretar o papel de pierrô desconsolado...
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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