Na sexta-feira (09) o Brasil se mobilizou para ver mais um triunfo da seleção canarinha. Andando pela cidade por volta da 11:30h dirigi por lugares diariamente atormentados por um trânsito de enlouquecer como se estivesse numa estrada do velho oeste americano. Nenhuma viva alma nas ruas. Àquela altura todos já estavam em frente aos televisores para assistir Brasil e Croácia. Alguns amigos que ‘entendem’ de futebol me haviam garantido que aquele jogo seria uma barbada, especialmente porque o craque Neymar estava escalado e o ‘pombo’ Richarlyson estava ‘voando’. Por isso eu andava tranquilo, sem pressa de chegar em casa. Afinal, quem é a Croácia? Um minúsculo país da Europa Oriental, com apenas 4 milhões de habitantes, localizado numa região montanhosa dos Balcãs e que até 1991 era parte da Iugoslávia comunista. O Brasil é 150 vezes maior em extensão territorial e tem uma população que é 55 vezes a população croata. Cerca de 30 milhões de brasileiros praticam futebol regularmente, dos quais algo em torno de 23 mil o fazem como profissão. Como no Brasil, o futebol na Croácia é o esporte nacional. Então, supondo que por lá os praticantes desse esporte guarde a mesma proporção do Brasil (cerca de 14% da população), pode-se concluir que umas 560 mil pessoas joguem futebol na Croácia, das quais, em 2018, segundo a Folha de São Paulo , apenas 829 (sim, 829!) jogavam profissionalmente. Os 23 mil jogadores profissionais brasileiros representam 0,0001% da população do Brasil, enquanto que os 829 jogadores profissionais da Croácia em 2018 representavam 0,0002% da população. Ou seja, a Croácia tem uma população 55 vezes menor do que a nossa e, proporcionalmente, tem o dobro de jogadores profissionais. Tendo em conta que jogar futebol é uma habilidade inata do ser humano (a pessoa já nasce com o dom de jogar bem), é certo concluir-se que o Brasil tem 55 vezes mais chances de revelar um craque do que a Croácia, no entanto, uma comparação simples dos números dos dois países revela, dentre outras coisas, o seguinte:
1. Tendo uma população 55 vezes menor que a do Brasil e sendo 150 vezes menor territorialmente, é de se supor que a Croácia possivelmente consegue descobrir, estimular e apoiar perto de 100% dos jovens croatas com alguma habilidade para o futebol, sendo 0,15% deles se profissionalizam (829 atletas profissionais é 0,15% dos 560 mil praticantes do esporte no país), portanto, é quase certo que entre os 829 atletas que jogavam profissionalmente em 2018 os dirigentes croatas escolheram os 26 melhores jogadores do país para formar a seleção vice-campeã da copa da Rússia. O Brasil, por sua vez, comparativamente com a Croácia, só consegue descobrir, estimular e apoiar de alguma forma 0,077% dos jovens brasileiros com alguma habilidade para o futebol (23 mil atletas profissionais corresponde a 0,077% dos 30 milhões de praticantes do esporte no país), de modo que, matematicamente, a Croácia tem 99,99% de chance de formar sua seleção com os melhores jogadores do país, enquanto que o Brasil só tem 51,3% de chance de escolher os melhores jogadores para formar a ‘nossa’ seleção (0,077% é 51,3% de 0,15%). Isto diz muito sobre as nossas decepções dos últimos vinte e dois anos;
2. A CBF e seus ‘olheiros’ – ela os tem? – talvez não consiga ver o desempenho sequer de 10% dos 23 mil jogadores profissionais que atuam no Brasil. Provavelmente, a escolha dos ‘melhores’ para formar a seleção brasileira seja feita pelas imagens e comentários veiculados pela imprensa ‘especializada’, e por mais uma penca de outros interesses indizíveis;
3. A seleção é ‘brasileira’, mas pertence a uma entidade nacional privada – a CBF – que, por sua vez, se submete a uma entidade mundial privada – a FIFA – que, por sua vez, impõe seus interesses financeiros a todas as nações afiliadas. São 211 países associados à FIFA contra 193 associados à ONU (Organização das Nações Unidas), podendo-se perceber por aí o tamanho do poder da cartolagem, capaz de impor a realização de uma copa do mundo em um país que tem zero tradição em futebol e com alarmantes índices de desrespeito aos direitos humanos.
Como se ver, matematicamente, o Brasil não aproveita sequer 1% do potencial dos seus gênios do futebol. A maioria desses talentosos rapazes e moças caminham invisíveis nas periferias das cidades, nos lugarejos remotos dos nossos inacreditáveis 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Isto que afirmo aqui não é teoria, é matemática, e matemática é ciência exata. E é por isso que muito provavelmente alguns dos meus escassos leitores já viu numa dessas peladas de várzea maravilhosos jogadores em ação. Mal vestidos, mal calçados, mal alimentados e sem nenhuma orientação técnica eles/elas dão show nos poeirões da vida, sem qualquer ganho ou esperança, a não ser a alegria de driblar, cabecear, bailar com a bola e fazer gol. Quantos romários, ronaldos, neimares, richarlisons, militãos se perdem todos os anos por aí, como pombos de asas quebradas, lutando por um caroço de milho que venha das mãos de algum velhinho de bom coração...
Como em 2006, 2010 e 2018, caímos nas quartas-de-final para uma seleção europeia. Então, já devíamos estar acostumados com esses ‘nossos’ escretes de asas de pombo e voos de galinha, vocês não acham? É por isso que dessa seleçãozinha de 2022 eu não vou sentir saudade. Saudade mesmo eu terei é de dirigir na próxima terça-feira pelas ruas de Teresina como se estivesse guiando nas estradas desérticas do Arizona, como costumo ver nos filmes. Então, ok, a gente se ver em 2026, quando, finalmente, seremos hexa! Será?
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