Nesta quarta-feira (24), dia em que se celebra 177 anos do nascimento de Padre Cícero Romão Batista, o Diário do Nordeste reconta como o fundador de Juazeiro do Norte vivenciou uma grave crise sanitária, a gripe espanhola, que deixou mais de mil mortos no Cariri, entre utubro de 1918 e maio de 1919.
Em outubro de 1918, a epidemia da gripe espanhola fez sua primeira vítima no Cariri, em Lavras da Mangabeira. Rapidamente, a doença se espalhou pelo Sul do Ceará. Na época, então prefeito de Juazeiro do Norte, o Padre Cícero Romão Batista não só teve que enfrentar este problema sanitário como gestor, como foi acometido pelo vírus da H1N1.
Uma carta identificada, em pesquisa inédita pela historiadora Fátima Pinho, vai além: em cenário semelhante ao atual, o sacerdote adotou o isolamento social para conter a propagação da doença.
Correspondência de Padre Cícero mostra a preocupação com a gripe espanhola
São poucos os documentos que relatam como foi a relação do Padre Cícero com a epidemia da gripe espanhola. No entanto, a pesquisa de Pinho mostra, também, que através de telegramas, ele suplicou por apoio do Estado junto com seu aliado, o médico Floro Bartolomeu, até então deputado estadual.
Com 76 anos de idade, em carta escrita no dia 30 de outubro de 1918, o fundador de Juazeiro do Norte relata para seu amigo, o padre Frederico, que na época morava no Rio de Janeiro, a angústia ao contrair a doença.
“A influenza espanhola também me vitimou. Estou em convalescência em nossa casa no horto, no sítio, uma légua e meia da cidade de Juazeiro. Desde Fortaleza, aqui, em todo Estado e nos estados vizinhos, (estamos) cobertos desse flagelo. Estaremos no começo do fim? Deus responda”, escreveu Padre Cícero.
A historiadora ressalta que o pai do religioso também viveu outra pandemia, a da cólera, em 1862. “A gente sabe que ele sofreu, que foi vitimado. Não esquecendo que o pai dele já tinha sido vítima de outra pandemia, o cólera”, diz Fátima Pinho.
Padre Cícero reforçando o poder letal da gripe espanhola
Padre Cícero pede de ajuda ao governador
Como prefeito de Juazeiro do Norte, ele também enviou um telegrama, endereçado para o então governador do Estado, João Tomé de Saboia e Silva, no dia 13 de novembro, detalhando a força devastadora da gripe espanhola em sua cidade e pedindo ajuda médica.
“Influenza aqui está propagando inteiramente, tendo, entre dez dias, cerca de 500 casos conhecidos, aumentando consideravelmente. Em vista a população densa, a maior parte dos pobres. Peço que vossa senhoria nomear médico auxiliando medicamentos visto que Dr. Floro sozinho não satisfaz a exigência de muitos doentes”, dizia a carta.
“Então, o Padre Cícero não só foi contemporâneo, como pede socorro e foi vítima. Ainda manteve seu isolamento social no Casarão do Horto”, detalha a pesquisadora.
Na época, o Horto era conhecido como Serra do Catolé e local onde o santo popular e político costumava fazer seus retiros espirituais.
Em outro telegrama, desta vez enviado por Floro Bartolomeu, principal aliado do sacerdote e deputado estadual, no dia 22 de novembro, o médico reforça que a gripe continua intensa, principalmente na zona urbana: “Sendo rara a casa que ainda esteja isenta da gripe espanhola”.
No mês seguinte, o deputado reforça-se o pedido de socorro do Padre Cícero para dar assistências aos doentes, suplicando que sejam enviados recursos. O médico conta que entre os dias 10 e 24 de dezembro, 212 pessoas faleceram em Juazeiro do Norte, vítimas da gripe espanhola, sendo 96 vítimas menores de 10 anos e 116 adultas. “É um número muito grande”, reforça a historiadora.
A chegada da doença e impacto no Cariri
Na medida que os meios de transporte, no início do século XX, facilitam a circulação de pessoas, também propicia contaminação destes microrganismos. Na época, o comércio portuário e o transporte ferroviário foram os grandes propagadores do vírus da H1N1. “A doença chega em Fortaleza no final de setembro. No começo de outubro já um número de casos e, rapidamente, vai migrando para o Sul”, conta o também historiador Jucieldo Alexandre.
O levantamento de Fátima mostra que a primeira morte no Cariri aconteceu em 8 de outubro, em Lavras da Mangabeira, que teria sido a primeira cidade da região a receber a doença, pois, era o destino final, até então, da linha Sul da Estrada de Ferro de Baturité — o Crato inauguraria sua estação apenas em 1926. “Em novembro, foram 101 mortes, destas, 38 em Lavras da Mangabeira”, detalha Fátima Pinho.
O estudo foi feito a partir dos livros de óbitos de 15 paróquias, que estão registrados no Departamento Histórico Diocesano Pe. Antonio Gomes de Araújo (DHDPG), em Crato. Os óbitos aconteceram entre outubro de 1918 e maio de 1919. O levantamento utilizou os registros das igrejas de Araripe, Assaré, Barbalha, Brejo Santo, Caririaçu, Campos Sales, Farias Brito, Jardim, Juazeiro do Norte, Lavras da Mangabeira, Mauriti, Milagres, Missão Velha, Porteiras e Umari.
Ao todo, contabiliza 1013 mortes em decorrência da primeira pandemia de causada pelo vírus H1N1 — outro surto pelo mesmo tipo de influenza aconteceu em 2009. A título de comparação, a quantidade de mortes chega a ser inferior ao número atual pela pandemia da Covid-19, que na macrorregião de saúde do Cariri já tirou a vida de 1581 pessoas, somando 45 municípios.
No entanto, os dados não trazem informações das paróquias de Crato, Várzea Alegre, Aurora, Missão Velha e Santana do Cariri. Isso aponta que número de vítimas pode ser bem maior, já que os dois pesquisadores, em jornais da época, descobriram que no primeiro Município a doença chegou a causar, em média, oito mortes por dia. “Em Crato, teve uma grande incidência”, conta Fátima Pinho.
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