Diplomatas estrangeiros baseados em Brasília reagiram com muita preocupação à notícia, divulgada sábado (4) pelo Ministério da Saúde, de que em apenas 24 horas aumentou em 20% o total de mortes por covid-19 oficialmente registradas no Brasil. Até ontem eram 10.278 casos confirmados e 432 óbitos. Isso significa mais do que o dobro do número de vítimas fatais do acidente da TAM ocorrido em São Paulo, em julho de 2007. Foi um dos maiores desastres da história da aviação brasileira e nele morreram 199 pessoas.
Nesse domingo 05/04, os números atualizados indicam 11.130 casos confirmados e 486 mortes no país.
Mais que o número, porém, representantes de governos estrangeiros se assustaram com o índice de crescimento por dia. Se ele persistir, o total de mortes passará de 1 mil em cinco dias e de 2,2 mil em somente dez dias. As preocupações de representantes de governos aliados, que podem levar várias nações a fechar os voos do e para o Brasil, são compartilhadas pela comunidade científica.
O fato é que a pandemia no país passou da fase inicial, de transmissão dita “localizada”. Ela ocorre quando é possível identificar como a pessoa foi infectada pelo novo coronavírus e até de quem pegou. Nessa primeira etapa, as vítimas eram geralmente brasileiros e brasileiras de bom padrão econômico e social, que haviam viajado recentemente ao exterior.
Os estados mais vulneráveis no momento à rápida expansão da covid-19 – Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Amazonas e Distrito Federal, segundo o próprio Ministério da Saúde – possuem alta concentração aeroportuária e recebem grandes quantidades de passageiros vindos do exterior, em especial dos Estados Unidos e da Europa, áreas muito afetadas pela pandemia.
Agora, estamos assistindo à “transmissão comunitária”, fase na qual é impossível identificar como a pessoa foi infectada e em que o vírus se propaga entre moradores de uma mesma cidade ou local, mesmo que eles não viajado.
Para o diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José Davi Urbaez, o Brasil não dispõe mais do tempo que teve para observar e aprender com os exemplos de outras nações, preparando-se adequadamente para enfrentar a doença. Agora, diz ele, o mais importante é garantir que a propagação do vírus ocorra de forma mais lenta.
De acordo com o médico infectologista, ainda não é possível fazer previsões sobre o tempo de duração do surto no país. “Estamos trocando o pneu de um carro com ele andando”, enfatizou. De qualquer forma, o especialista acredita que o Brasil entrará, nas próximas duas ou três semanas, em uma fase mais intensa de disseminação do vírus.
“Provavelmente as 20 semanas na frente vão requerer de você, de mim, de todos, estrutura que a gente nunca teve. Serão dias muito duros, de muitos pacientes”, acrescentou.
Aspectos estruturais e conjunturais
As epidemias decorrentes de doenças virais seguem um padrão da matemática chamado de função exponencial. Essa função se manifesta em exemplos práticos do dia a dia, desde fenômenos naturais até modelos econômicos de juros.
A diferença é que, no caso das epidemias, as variáveis não são controláveis. O professor de matemática Ricardo Suzuki explica que ainda não se sabe qual é o fator multiplicativo da infecção por coronavírus. Portanto, não se sabe qual será a ordem de crescimento da doença.
Inicialmente, estimou-se, a partir sobretudo da experiência da China, que cada pessoa infectada poderia transmitir diretamente o vírus para outras duas ou três pessoas. Pesquisadores consideram tal estimativa pequena para países como o Brasil. Primeiro, por algumas de nossas características estruturais, tais como: a precariedade dos serviços de saúde para atender a demanda mesmo em tempos normais; o grande número de idosos; o hábito cultural do carinho, do abraço e do “cheiro”; e o imenso contingente da população que vive amontoado em favelas e casas superpovoadas.
Tudo isso pode facilitar a disseminação. Há ainda os aspectos conjunturais, associados principalmente à qualidade da intervenção governamental. É aqui que o Brasil mais se complica em razão das sucessivas tentativas do presidente Jair Bolsonaro de minimizar o problema, deslegitimar o ministro da Saúde e suas ações e de dispersar esforços – ora atacando governadores, ora atacando a mídia, em vez de unir a sociedade contra o coronavírus.
O diretor da Sociedade de Infectologia do DF classifica o comportamento de Bolsonaro de “antipatriótico, criminoso e absolutamente irresponsável”. Segundo ele, há milhares de pessoas que podem seguir a opinião de um líder e ignorar os fatos por medo de encarar a realidade.
Crescimento exponencial
Para entender o que é crescimento exponencial, imagine uma pessoa infectada e admitamos que ela pode transmitir o vírus para apenas outras três pessoas. Consideremos que isso ocorreu quando o país funcionava normalmente , época em que Bolsonaro e alguns de seus seguidores qualificavam de “comunista” quem seguia a prescrição de quarentena, feita pelos especialistas quase à unanimidade. Assim, teríamos:
1º dia - 1 pessoa infecta 3 = 1 x 3 = 3 pessoas infectadas
2º dia - 3 pessoas infectam cada uma 3 = 3 x3 = 9 pessoas infectadas
3º dia - 9 x 3 = 27 pessoas infectadas
4º dia - 27 x 3 = 81 pessoas infectadas
5º dia - 81 x 3 = 243 pessoas infectadas
6º dia - 243 x 3 = 729 pessoas infectadas
7º dia - 729 x 3 = 2.187 pessoas infectadas
Embora bastante simples, o exemplo acima mostra que somente uma pessoa, caso não cumpra as recomendações médicas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, pode levar à infecção de mais de 2 mil pessoas no intervalo de uma semana. É o que se denomina crescimento exponencial.
Cientistas brasileiros observam que a curva de evolução do covid-19 foi pouco acentuada nos primeiros dias, mas adquiriu inclinação muito alta ao longo do tempo. O gráfico abaixo mostra que a atual pandemia cresce bem mais rápido do que outras duas doenças virais, causadas pelos vírus H1N1 (a chamada gripe suína) e Sars (que é o “velho” coronavírus, causador da gripe comum):
As infecções por covid-19 expandem de maneira muito acelerada por causa do grande potencial de disseminação do vírus no ambiente nacional, devido às condições estruturais e conjunturais mencionadas. Achatar a curva é o principal objetivo das ações de saúde. “O problema é que para manter a curva achatada dá um trabalho danado e, se você perder o controle dela depois, dificilmente você volta ao mesmo patamar”, explica o matemático.
“A gente tem que torcer para que essa crise demore mais a passar. Se a crise passar rápido, matematicamente falando isso significa que muita gente vai ficar sem atendimento e, consequentemente, mais gente vai morrer”, completa Ricardo Suzuki.
Subnotificação
Suzuki explica que a construção de gráficos para acompanhamento da doença ao longo do tempo depende da testagem de casos. As autoridades federais já admitiram que há uma subnotificação no país devido à falta de testes. Em alguns casos, faltam às secretarias estaduais e municipais de saúde os insumos necessários para fazer a testagem de todos os casos suspeitos.
Esse dado, inclusive, parou de ser divulgado pelo Ministério da Saúde em março. Agora, não é possível ter acesso ao número de pacientes suspeitos, mas somente aos casos confirmados e ao total de óbitos registrados.
A estratégia para manejo da epidemia na Coreia do Sul, por exemplo, foi de testagem ampla, com isolamento apenas dos infectados. A ideia no país foi fazer a identificação o mais cedo possível. Essa estratégia, porém, exige uma capacidade de testagem que nenhum outro país possui. A Coreia do Sul só foi capaz de adotar esse procedimento porque enfrentou uma grave crise em 2012 com a Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e está utilizando agora o que montado para combate àquela doença.
A precariedade no sistema de testagem brasileiro pode ser contornada por outras medições, como o número de respiradores mecânicos que estão sendo demandados e a quantidade de leitos utilizados, afirma o médico infectologista José Davi Urbaez.
Até a semana 13, houve incremento de 230% em 2020 nas hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) em relação ao mesmo período de 2019. Na última semana, foram 8.048 hospitalizações, enquanto no mesmo momento do ano passado foram registradas 1.123.
“Não há nenhuma dúvida de que não é uma gripezinha e não há nenhuma dúvida de que está acontecendo um problema grave”, disse o médico.
Isolamento social
O mecanismo de isolamento social pode permitir que a doença se manifeste de forma mais branda, alertam o médico e o matemático, exatamente porque adiam a marcha de evolução das infecções.
De acordo com Suzuki, os dados de outros países não deixam dúvidas de que o isolamento é uma forma eficaz de contenção.
“Com certeza absoluta ainda não chegamos nem perto do pico de contaminação”, garantiu. Por essa razão, ele defende que sejam mantidas as medidas de isolamento social. “Controles mais rigorosos são vitais para um crescimento menos acelerado da curva”, advertiu.
*********
Flávia Said – Cientista política formada pela Universidade de Brasília (UnB), está concluindo a graduação em jornalismo pela mesma instituição. Reproduzido do site Congresso em Foco.
Nesse domingo 05/04, os números atualizados indicam 11.130 casos confirmados e 486 mortes no país.
Mais que o número, porém, representantes de governos estrangeiros se assustaram com o índice de crescimento por dia. Se ele persistir, o total de mortes passará de 1 mil em cinco dias e de 2,2 mil em somente dez dias. As preocupações de representantes de governos aliados, que podem levar várias nações a fechar os voos do e para o Brasil, são compartilhadas pela comunidade científica.
O fato é que a pandemia no país passou da fase inicial, de transmissão dita “localizada”. Ela ocorre quando é possível identificar como a pessoa foi infectada pelo novo coronavírus e até de quem pegou. Nessa primeira etapa, as vítimas eram geralmente brasileiros e brasileiras de bom padrão econômico e social, que haviam viajado recentemente ao exterior.
Os estados mais vulneráveis no momento à rápida expansão da covid-19 – Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Amazonas e Distrito Federal, segundo o próprio Ministério da Saúde – possuem alta concentração aeroportuária e recebem grandes quantidades de passageiros vindos do exterior, em especial dos Estados Unidos e da Europa, áreas muito afetadas pela pandemia.
Agora, estamos assistindo à “transmissão comunitária”, fase na qual é impossível identificar como a pessoa foi infectada e em que o vírus se propaga entre moradores de uma mesma cidade ou local, mesmo que eles não viajado.
Para o diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José Davi Urbaez, o Brasil não dispõe mais do tempo que teve para observar e aprender com os exemplos de outras nações, preparando-se adequadamente para enfrentar a doença. Agora, diz ele, o mais importante é garantir que a propagação do vírus ocorra de forma mais lenta.
De acordo com o médico infectologista, ainda não é possível fazer previsões sobre o tempo de duração do surto no país. “Estamos trocando o pneu de um carro com ele andando”, enfatizou. De qualquer forma, o especialista acredita que o Brasil entrará, nas próximas duas ou três semanas, em uma fase mais intensa de disseminação do vírus.
“Provavelmente as 20 semanas na frente vão requerer de você, de mim, de todos, estrutura que a gente nunca teve. Serão dias muito duros, de muitos pacientes”, acrescentou.
Aspectos estruturais e conjunturais
As epidemias decorrentes de doenças virais seguem um padrão da matemática chamado de função exponencial. Essa função se manifesta em exemplos práticos do dia a dia, desde fenômenos naturais até modelos econômicos de juros.
A diferença é que, no caso das epidemias, as variáveis não são controláveis. O professor de matemática Ricardo Suzuki explica que ainda não se sabe qual é o fator multiplicativo da infecção por coronavírus. Portanto, não se sabe qual será a ordem de crescimento da doença.
Inicialmente, estimou-se, a partir sobretudo da experiência da China, que cada pessoa infectada poderia transmitir diretamente o vírus para outras duas ou três pessoas. Pesquisadores consideram tal estimativa pequena para países como o Brasil. Primeiro, por algumas de nossas características estruturais, tais como: a precariedade dos serviços de saúde para atender a demanda mesmo em tempos normais; o grande número de idosos; o hábito cultural do carinho, do abraço e do “cheiro”; e o imenso contingente da população que vive amontoado em favelas e casas superpovoadas.
Tudo isso pode facilitar a disseminação. Há ainda os aspectos conjunturais, associados principalmente à qualidade da intervenção governamental. É aqui que o Brasil mais se complica em razão das sucessivas tentativas do presidente Jair Bolsonaro de minimizar o problema, deslegitimar o ministro da Saúde e suas ações e de dispersar esforços – ora atacando governadores, ora atacando a mídia, em vez de unir a sociedade contra o coronavírus.
O diretor da Sociedade de Infectologia do DF classifica o comportamento de Bolsonaro de “antipatriótico, criminoso e absolutamente irresponsável”. Segundo ele, há milhares de pessoas que podem seguir a opinião de um líder e ignorar os fatos por medo de encarar a realidade.
Crescimento exponencial
Para entender o que é crescimento exponencial, imagine uma pessoa infectada e admitamos que ela pode transmitir o vírus para apenas outras três pessoas. Consideremos que isso ocorreu quando o país funcionava normalmente , época em que Bolsonaro e alguns de seus seguidores qualificavam de “comunista” quem seguia a prescrição de quarentena, feita pelos especialistas quase à unanimidade. Assim, teríamos:
1º dia - 1 pessoa infecta 3 = 1 x 3 = 3 pessoas infectadas
2º dia - 3 pessoas infectam cada uma 3 = 3 x3 = 9 pessoas infectadas
3º dia - 9 x 3 = 27 pessoas infectadas
4º dia - 27 x 3 = 81 pessoas infectadas
5º dia - 81 x 3 = 243 pessoas infectadas
6º dia - 243 x 3 = 729 pessoas infectadas
7º dia - 729 x 3 = 2.187 pessoas infectadas
Embora bastante simples, o exemplo acima mostra que somente uma pessoa, caso não cumpra as recomendações médicas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, pode levar à infecção de mais de 2 mil pessoas no intervalo de uma semana. É o que se denomina crescimento exponencial.
Cientistas brasileiros observam que a curva de evolução do covid-19 foi pouco acentuada nos primeiros dias, mas adquiriu inclinação muito alta ao longo do tempo. O gráfico abaixo mostra que a atual pandemia cresce bem mais rápido do que outras duas doenças virais, causadas pelos vírus H1N1 (a chamada gripe suína) e Sars (que é o “velho” coronavírus, causador da gripe comum):
As infecções por covid-19 expandem de maneira muito acelerada por causa do grande potencial de disseminação do vírus no ambiente nacional, devido às condições estruturais e conjunturais mencionadas. Achatar a curva é o principal objetivo das ações de saúde. “O problema é que para manter a curva achatada dá um trabalho danado e, se você perder o controle dela depois, dificilmente você volta ao mesmo patamar”, explica o matemático.
“A gente tem que torcer para que essa crise demore mais a passar. Se a crise passar rápido, matematicamente falando isso significa que muita gente vai ficar sem atendimento e, consequentemente, mais gente vai morrer”, completa Ricardo Suzuki.
Subnotificação
Suzuki explica que a construção de gráficos para acompanhamento da doença ao longo do tempo depende da testagem de casos. As autoridades federais já admitiram que há uma subnotificação no país devido à falta de testes. Em alguns casos, faltam às secretarias estaduais e municipais de saúde os insumos necessários para fazer a testagem de todos os casos suspeitos.
Esse dado, inclusive, parou de ser divulgado pelo Ministério da Saúde em março. Agora, não é possível ter acesso ao número de pacientes suspeitos, mas somente aos casos confirmados e ao total de óbitos registrados.
A estratégia para manejo da epidemia na Coreia do Sul, por exemplo, foi de testagem ampla, com isolamento apenas dos infectados. A ideia no país foi fazer a identificação o mais cedo possível. Essa estratégia, porém, exige uma capacidade de testagem que nenhum outro país possui. A Coreia do Sul só foi capaz de adotar esse procedimento porque enfrentou uma grave crise em 2012 com a Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e está utilizando agora o que montado para combate àquela doença.
A precariedade no sistema de testagem brasileiro pode ser contornada por outras medições, como o número de respiradores mecânicos que estão sendo demandados e a quantidade de leitos utilizados, afirma o médico infectologista José Davi Urbaez.
Até a semana 13, houve incremento de 230% em 2020 nas hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) em relação ao mesmo período de 2019. Na última semana, foram 8.048 hospitalizações, enquanto no mesmo momento do ano passado foram registradas 1.123.
“Não há nenhuma dúvida de que não é uma gripezinha e não há nenhuma dúvida de que está acontecendo um problema grave”, disse o médico.
Isolamento social
O mecanismo de isolamento social pode permitir que a doença se manifeste de forma mais branda, alertam o médico e o matemático, exatamente porque adiam a marcha de evolução das infecções.
De acordo com Suzuki, os dados de outros países não deixam dúvidas de que o isolamento é uma forma eficaz de contenção.
“Com certeza absoluta ainda não chegamos nem perto do pico de contaminação”, garantiu. Por essa razão, ele defende que sejam mantidas as medidas de isolamento social. “Controles mais rigorosos são vitais para um crescimento menos acelerado da curva”, advertiu.
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Flávia Said – Cientista política formada pela Universidade de Brasília (UnB), está concluindo a graduação em jornalismo pela mesma instituição. Reproduzido do site Congresso em Foco.
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