O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade nessa quinta-feira (24) ao julgamento das três ações que questionam a prisão após condenação em segunda instância, finalizando o dia com quatro votos favoráveis à medida e três contrários, incluindo o de Rosa Weber, sobre o qual existia grande expectativa, por ser apontado por especialistas como o voto decisivo.
Na última quarta-feira (23), o relator, Marco Aurélio Mello havia votado contra a prisão em segunda instância. Alexandre de Moraes abriu divergência, sendo seguido por Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Rosa Weber foi a primeira a votar nesta quinta-feira. Em longo posicionamento, a ministra justificou seu voto contrário afirmando que a redação da Constituição em relação à presunção de inocência impõe "amarras" aos intérpretes: “[O constituinte] consagrou não só a presunção de inocência, mas também o marco temporal expresso”, ou seja, o trânsito em julgado.
“STF é o guardião da Constituição, não seu autor. Quando o juiz é mais rígido que a lei, ele é injusto. Não fomos investidos de autoridade para declarar inconstitucional a própria Constituição”, disse Weber.
A decisão tem sido considerada por juristas como a mais importante deste ano, pois poderá resultar na soltura de quase 5 mil pessoas encarceradas sem condenação em definitivo, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso político desde abril do ano passado.
Votos e previsões
Weber iniciou seu voto dizendo que a democracia moderna não se baseia apenas na regra da maioria, mas também na defesa de direitos individuais, ainda que contrariem a opinião majoritária na sociedade.
Havia grande expectativa no voto de Weber por conta de seu posicionamento no habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que questionou o tema. Na ocasião, a ministra afirmou ser contra a prisão em segunda instância, mas que seguiria a posição majoritária estabelecida em 2016, por se tratar de uma ação referente a um caso específico: "Minha leitura constitucional sempre foi e continua sendo a mesma".
Já o julgamento das presentes ações permitem, em sua visão, a possibilidade de mudança na jurisprudência, por se tratarem de processos gerais. Caso os posicionamentos de 2018, no habeas corpus de Lula, se repitam, há uma chance de que haja um placar final de seis votos favoráveis ao fim da prisão em segunda instância e cinco contrários.
O voto de Weber foi seguido pelo de Fux, historicamente defensor da prisão em segunda instância. O ministro baseou boa parte de seu voto na apresentação de “exemplos práticos”. O cerne de seu argumento foi o de que prisão apenas após trânsito em julgado gera injustiça. Outro ponto por ele levantado foi a necessidade de se respeitar as decisões passadas em relação ao tema.
Após Fux, houve o breve posicionamento de Ricardo Levandowski, que mais uma vez se posicionou pela prisão após trânsito em julgado, insistindo na ideia de que redação da Constituição "não dá nenhuma margem para interpretação".
Carmén Lúcia, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Celso de Mello deverão votar só na próxima sessão, que foi marcada pelo presidente do STF para o início de novembro próximo.
A primeira é conhecida por se alinhar à tese da prisão em segunda instância. O último, por sua vez, sempre entendeu ser inconstitucional a medida. Mendes e Toffoli já apresentaram mudanças em suas posições, mas, na última decisão sobre o tema, defenderam o trânsito em julgado.
Prisão em 2ª instância
A maioria dos ministros do Supremo decidiu, em 2016, que a Justiça poderia pedir a prisão de réus cuja condenação fosse confirmada segunda instância. O inciso 57 do artigo 5º da Constituição afirma, entretanto, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Dois partidos, o Patriotas (antigo PEN) e o PC do B, além do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ingressaram com três ADCs.
Como o Código de Processo Penal repete, em seu artigo 283, a regra estabelecida na Constituição – “Ninguém poderá ser preso senão […] em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado” – as ações pedem formalmente que o dispositivo do Código seja declarado constitucional.
Rogerio Dultra, professor de Direito da Universidade Federal Fluminense, considera essa discussão – e principalmente a forma como ela foi conduzida - no Supremo como um dos sintomas da crescente atuação política do órgão. Ainda que a instituição sempre tenha tido um papel na política, o jurista entende ter ocorrido uma crescente submissão das discussões jurídicas à lógica da disputa política nacional.
“O STF optou, em algum momento histórico, pelo ativismo judicial. Isso fez com que o STF se compreendesse como um intérprete e re-escritor da Constituição. O STF passou a reescrever a Constituição. Isso produziu um segundo fenômeno que é radicalização da politização do STF”, descreve.
Diversos juristas já qualificaram a prisão após condenação em segunda instância como “violação expressa, clara e frontal” à Constituição e ao Código de Processo Penal e até mesmo como uma interpretação que “viola a lógica” fruto de um “debate vulgar”.
Na prática, caso uma das ADCs seja integralmente aceita, as prisões só poderiam ocorrer após o “trânsito em julgado”, ou seja, depois de todos os recursos possíveis terem sido esgotados.
No STF, entre as duas posições – a da manutenção da prisão após segunda instância e o retorno ao que a Constituição determina – ao menos dois entendimentos intermediários chegaram a ser debatidos: a de prisão após condenação em terceira instância, no caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e a possibilidade de cumprimento de pena após segunda instância, mas não de forma automática e com a necessidade de uma fundamentação específica dos juízes.
Repercussão
O caso envolve diretamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O adiamento de abril, por exemplo, foi recebido como uma sinalização de que o presidente do Supremo havia recuado diante das repercussões políticas do tema, que voltou a ganhar força dentro do Tribunal após as revelações da Vaza Jato.
Caso os argumentos das ADCs sejam aceitos, Lula continuaria sendo processado, mas, em tese, deveria aguardar em liberdade o desfecho dos processos nos quais é réu.
Além deste julgamento, pelo menos dois outros têm relação com a situação de Lula. O primeiro é a finalização da decisão sobre a nulidade de processos que tiveram réus delatores e delatados. A maioria dos ministros já entendeu que o fato de delatores – que colaboram com a acusação – e delatados se manifestarem no mesmo momento do processo viola o direito de defesa dos delatados.
A depender como essa posição venha a ser aplicada na prática, a condenação de Lula no chamado caso do sítio de Atibaia pode ser anulada. Como o petista se encontra preso por outro processo, vulgarmente conhecido como caso do triplex, a anulação não implicaria em liberdade imediata.
O último procedimento que envolve o ex-mandatário é um habeas corpus protocolado por sua defesa que pede a suspeição de Sérgio Moro, ou seja, o reconhecimento de que o ex-magistrado agiu de forma parcial. Caso o argumento seja acatado, os processos conduzidos pelo agora ministro da Justiça deverão ser julgados novamente na primeira instância.
Na última quarta-feira (23), o relator, Marco Aurélio Mello havia votado contra a prisão em segunda instância. Alexandre de Moraes abriu divergência, sendo seguido por Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Rosa Weber foi a primeira a votar nesta quinta-feira. Em longo posicionamento, a ministra justificou seu voto contrário afirmando que a redação da Constituição em relação à presunção de inocência impõe "amarras" aos intérpretes: “[O constituinte] consagrou não só a presunção de inocência, mas também o marco temporal expresso”, ou seja, o trânsito em julgado.
“STF é o guardião da Constituição, não seu autor. Quando o juiz é mais rígido que a lei, ele é injusto. Não fomos investidos de autoridade para declarar inconstitucional a própria Constituição”, disse Weber.
A decisão tem sido considerada por juristas como a mais importante deste ano, pois poderá resultar na soltura de quase 5 mil pessoas encarceradas sem condenação em definitivo, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso político desde abril do ano passado.
Votos e previsões
Weber iniciou seu voto dizendo que a democracia moderna não se baseia apenas na regra da maioria, mas também na defesa de direitos individuais, ainda que contrariem a opinião majoritária na sociedade.
Havia grande expectativa no voto de Weber por conta de seu posicionamento no habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que questionou o tema. Na ocasião, a ministra afirmou ser contra a prisão em segunda instância, mas que seguiria a posição majoritária estabelecida em 2016, por se tratar de uma ação referente a um caso específico: "Minha leitura constitucional sempre foi e continua sendo a mesma".
Já o julgamento das presentes ações permitem, em sua visão, a possibilidade de mudança na jurisprudência, por se tratarem de processos gerais. Caso os posicionamentos de 2018, no habeas corpus de Lula, se repitam, há uma chance de que haja um placar final de seis votos favoráveis ao fim da prisão em segunda instância e cinco contrários.
O voto de Weber foi seguido pelo de Fux, historicamente defensor da prisão em segunda instância. O ministro baseou boa parte de seu voto na apresentação de “exemplos práticos”. O cerne de seu argumento foi o de que prisão apenas após trânsito em julgado gera injustiça. Outro ponto por ele levantado foi a necessidade de se respeitar as decisões passadas em relação ao tema.
Após Fux, houve o breve posicionamento de Ricardo Levandowski, que mais uma vez se posicionou pela prisão após trânsito em julgado, insistindo na ideia de que redação da Constituição "não dá nenhuma margem para interpretação".
Carmén Lúcia, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Celso de Mello deverão votar só na próxima sessão, que foi marcada pelo presidente do STF para o início de novembro próximo.
A primeira é conhecida por se alinhar à tese da prisão em segunda instância. O último, por sua vez, sempre entendeu ser inconstitucional a medida. Mendes e Toffoli já apresentaram mudanças em suas posições, mas, na última decisão sobre o tema, defenderam o trânsito em julgado.
Prisão em 2ª instância
A maioria dos ministros do Supremo decidiu, em 2016, que a Justiça poderia pedir a prisão de réus cuja condenação fosse confirmada segunda instância. O inciso 57 do artigo 5º da Constituição afirma, entretanto, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Dois partidos, o Patriotas (antigo PEN) e o PC do B, além do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ingressaram com três ADCs.
Como o Código de Processo Penal repete, em seu artigo 283, a regra estabelecida na Constituição – “Ninguém poderá ser preso senão […] em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado” – as ações pedem formalmente que o dispositivo do Código seja declarado constitucional.
Rogerio Dultra, professor de Direito da Universidade Federal Fluminense, considera essa discussão – e principalmente a forma como ela foi conduzida - no Supremo como um dos sintomas da crescente atuação política do órgão. Ainda que a instituição sempre tenha tido um papel na política, o jurista entende ter ocorrido uma crescente submissão das discussões jurídicas à lógica da disputa política nacional.
“O STF optou, em algum momento histórico, pelo ativismo judicial. Isso fez com que o STF se compreendesse como um intérprete e re-escritor da Constituição. O STF passou a reescrever a Constituição. Isso produziu um segundo fenômeno que é radicalização da politização do STF”, descreve.
Diversos juristas já qualificaram a prisão após condenação em segunda instância como “violação expressa, clara e frontal” à Constituição e ao Código de Processo Penal e até mesmo como uma interpretação que “viola a lógica” fruto de um “debate vulgar”.
Na prática, caso uma das ADCs seja integralmente aceita, as prisões só poderiam ocorrer após o “trânsito em julgado”, ou seja, depois de todos os recursos possíveis terem sido esgotados.
No STF, entre as duas posições – a da manutenção da prisão após segunda instância e o retorno ao que a Constituição determina – ao menos dois entendimentos intermediários chegaram a ser debatidos: a de prisão após condenação em terceira instância, no caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e a possibilidade de cumprimento de pena após segunda instância, mas não de forma automática e com a necessidade de uma fundamentação específica dos juízes.
Repercussão
O caso envolve diretamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O adiamento de abril, por exemplo, foi recebido como uma sinalização de que o presidente do Supremo havia recuado diante das repercussões políticas do tema, que voltou a ganhar força dentro do Tribunal após as revelações da Vaza Jato.
Caso os argumentos das ADCs sejam aceitos, Lula continuaria sendo processado, mas, em tese, deveria aguardar em liberdade o desfecho dos processos nos quais é réu.
Além deste julgamento, pelo menos dois outros têm relação com a situação de Lula. O primeiro é a finalização da decisão sobre a nulidade de processos que tiveram réus delatores e delatados. A maioria dos ministros já entendeu que o fato de delatores – que colaboram com a acusação – e delatados se manifestarem no mesmo momento do processo viola o direito de defesa dos delatados.
A depender como essa posição venha a ser aplicada na prática, a condenação de Lula no chamado caso do sítio de Atibaia pode ser anulada. Como o petista se encontra preso por outro processo, vulgarmente conhecido como caso do triplex, a anulação não implicaria em liberdade imediata.
O último procedimento que envolve o ex-mandatário é um habeas corpus protocolado por sua defesa que pede a suspeição de Sérgio Moro, ou seja, o reconhecimento de que o ex-magistrado agiu de forma parcial. Caso o argumento seja acatado, os processos conduzidos pelo agora ministro da Justiça deverão ser julgados novamente na primeira instância.
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