O que a construção de rodovias, rede de esgoto, obras de hospitais e escolas, compra de equipamentos e pesquisas científicas têm em comum? Todas são classificadas pelos economistas como investimentos. Algo que se gasta hoje com o objetivo de obter algum benefício no futuro.
Pois a crise econômica recente fará com que o investimento do setor público no Brasil retorne ao patamar (em termos relativos) da década de 1990. É o que diz o economista Rodrigo Orair, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de pesquisa ligado ao Senado Federal.
A BBC Brasil teve acesso a um estudo inédito da IFI, a ser divulgado na manhã desta segunda-feira. O levantamento mostra que, nos governos dos Estados, o nível dos investimentos já retornou ao patamar da década de 1990.
O investimento de todos os governos estaduais somados caiu de R$ 57,8 bilhões em 2014 para R$ 28,7 bilhões acumulados em 12 meses até junho de 2017, segundo o levantamento da IFI. De 1994 a 2000, o investimento médio dos Estados ficou em R$ 30,6 bilhões por ano, em valores corrigidos. O investimento dos Estados deve fechar este ano em 0,4% do PIB, que é a soma de tudo que o país produz. Em 2014, a cifra era de 1%.
O mesmo deve se repetir no governo federal e nos municípios, segundo Orair, pesquisador que já estudava o tema no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) há quase dez anos, desde 2009.
A preocupação com a queda do nível de investimento não deveria ser só de economistas. A falta de investimentos em geração e distribuição de energia ao longo dos anos 1990, por exemplo, fez com que o país enfrentasse um racionamento severo de energia elétrica de julho de 2001 a fevereiro de 2002.
O episódio ficou conhecido como crise do "apagão". O economista Delfim Netto chegou a calcular que cada brasileiro perdeu R$ 320 por causa da crise energética.
Vai piorar em 2018
Em 2017, o que derrubou as contas públicas foi a queda da arrecadação de impostos, após três anos de recessão. Embora a crise tenha acabado oficialmente, a expectativa é que o baque maior nos investimentos venha em 2018.
É só no ano que vem que as contas públicas sofrerão os efeitos mais drásticos do Novo Regime Fiscal, conhecido como "PEC do Teto".
A PEC do Teto determina que as despesas públicas só podem crescer até o limite da inflação do ano anterior. Como em 2016 a inflação estava relativamente alta (6,29%, segundo o IBGE), o efeito de compressão do Orçamento foi pequeno.
Em 2017, a alta de preços deve ser bem menor (abaixo de 3%, segundo o boletim Focus do Banco Central), criando um teto bem mais baixo para os gastos, diz Orair.
Segundo o economista Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas, as indicações de uma queda ainda mais abrupta nos investimentos em 2018 já podem ser vistas no projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) do ano que vem. A Ploa é enviada pelo Executivo ao Congresso e, depois de aprovada, torna-se o Orçamento da União para o ano seguinte.
Os investimentos da União previstos na lei de 2017 eram de R$ 129,1 bilhões. Em 2018, caíram para R$ 98,6 bilhões (24% menor). Algumas das áreas mais afetadas, segundo Gil, serão o saneamento básico (32% a menos); o ministério da Educação (37% a menos) e o DNIT (ligado ao ministério dos Transportes), com 25% a menos. Os dados foram apresentados por Gil em uma palestra recente na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Prejudicando nossos filhos e netos
"Como o investimento tende a beneficiar mais as gerações futuras e não a atual, é geralmente a área mais atingida", diz ele. "O corte no investimento impacta pouco a prestação atual dos serviços. Entre fechar a escola, fechar o hospital, e cancelar a obra, o governo opta pela obra", acrescenta.
O problema, diz Orair, é que para retomar os mesmos investimentos mais tarde há gastos adicionais e desperdício.
O exemplo mais fresco na memória dos brasileiros talvez seja uma parte das obras de mobilidade urbana criadas para a Copa do Mundo de 2014 - uma parte dos projetos se converteu em esqueletos de concreto sem utilidade. Outras foram inauguradas com atraso de anos. Um exemplo é o Veículo Leve sobre Trilhos de Cuiabá (MT), que já consumiu mais de R$ 1 bilhão e ainda não foi inaugurado.
A infraestrutura do país e dos serviços públicos também vai se comprometendo sem novos investimentos. Isto prejudica a capacidade do país de garantir direitos como saúde, educação e outros, diz Gil.
Mais despesas obrigatórias
"Na realidade já tem algum tempo que as despesas obrigatórias (como salários) crescem continuamente, comprimindo as demais, principalmente os investimentos", explica Gil. Segundo ele, cerca de 90% das despesas primárias (isto é, sem contar a dívida pública) são obrigatórias.
Segundo Rodrigo Orair, o investimento público no país está em trajetória de queda (relativamente ao tamanho do PIB) desde os anos 1980. Chegou ao nível mais baixo em 2003 e 2004, no começo do governo do ex-presidente Lula (PT), quando houve forte ajuste fiscal. E se recuperou desde aquela época até o começo da crise, em 2015.
Em nota à reportagem da BBC Brasil, o Ministério do Planejamento informa que o governo teve de cortar despesas depois que a arrecadação em 2017 ficou abaixo do previsto no Orçamento. "Observado o fraco desempenho das receitas públicas e em busca de assegurar o cumprimento das metas fiscais, o governo federal se viu obrigado a fazer contingenciamentos de recursos", diz o texto.
"Como, hoje, mais de 90% do orçamento federal corresponde a despesas obrigatórias ou não contingenciáveis, resta ao governo a obrigação de contingenciar os outros menos de 10% que corresponde a despesas de custeio e a despesas discricionárias (a maior parte delas diz respeito ao funcionamento da máquina pública)", diz o texto do Planejamento.
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